Trabalhando

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Sessão da Câmara Municipal

sábado, 6 de abril de 2013

A Loira da Matão




            Recém-chegado ao Município de Nova Londrina, noroeste do Estado do Paraná – minha cidade natal – eu fiquei boquiaberto e curioso com o boato que corria de boca a boca: A loira fez mais uma vítima! Coitado do caminhoneiro!
          A notícia percorreu a região, sangrou fronteiras, ganhou repercussão nacional. Todo mundo queria saber: Quem foi dessa vez? Um falava: - Foi o Tamba do l3l3. Outro: - Foi o Caolho Caçambeiro. E muitos diziam: - “FOI O JAPA, CARRETEIRO; O NEGÃO, DO TANQUEIRO. ENFIM, NINGUÉM SABIA AO CERTO”.
          O incrível era, que, de jovens a velhos, todos comentavam alguma história sobre a “Loira da Matão”. Comecei então a bisbilhotar o caso. Tornei-me um caçador dessa história. Levei alguns apetrechos importantes para registrar minhas entrevistas, tais como: um gravadorzinho de bolso, agenda e caneta.
          Durante, aproximadamente, três meses, investiguei, conversando com os moradores da Fazenda Matão, circunvizinhos, trabalhadores rurais e muitos caminhoneiros.
          Muita gente foi enfática a me afirmar que essa história não passava de fofoca, de boato mesmo, de história de caminhoneiro. Que era uma lenda. Por outro lado, um batalhão de caminhoneiro, alguns moradores, donos e funcionários de pequenas empresas – localizadas nas proximidades do local do medo – chegaram a me jurar de pés juntos, que, há mais de cinquenta anos a loira vem aparecendo, assombrando, perseguindo e aniquilando não só caminhoneiros, mas, também ciclistas, motoqueiros, moradores e transeuntes. Diziam que a maioria das vítimas tem vergonha de se expor, por “razões que a própria razão desconhece. ” A lei do silêncio impera por algum mistério... Que, muitos acidentes estranhos e inexplicáveis já aconteceram naquele trecho, onde “ela” aparece e pede carona. Que, muitos religiosos de várias crenças realizam ali, missas, cultos, passes espirituais e benzimentos. Que, o fato é assustador, sobrenatural, do outro mundo mesmo.
Como se montasse um quebra-cabeça, eu juntei algumas peças e desvendei a seguinte história:
          Na década de sessenta, um rico senhor americano comprou uma propriedade fazendo divisa com a Fazenda Matão, município de Loanda– Estado do Paraná. Com sua família veio morar nela. Tinha uma bela filha de dezessete anos: loira, cheia de charme e muito mística. Algum tempo depois, ela conheceu um rapaz, o verdadeiro amor de sua vida. Namoraram, noivaram, e marcaram a data do casamento. Casaram-se num sábado. Dia de sol e de muita colheita... fizeram a festa de matrimônio mais bela e requintada de que se tem conhecimento por aquelas redondezas, até hoje. Depois dos comes e bebes, partiram, no instante do adeus do astro-rei, felizes, repletos de amor, cúmplices da paixão, e seguiram rumo ao doce sabor do sonho da lua-de-mel.
          Ao sair da estrada vicinal, entrando na rodovia BR-376, no meio da Fazenda Matão, o carro quebrou. Alguém parou para ajudá-los. Ofereceu ajuda e, sem nenhum motivo, com uma chave de fenda em punho, desferiu um golpe certeiro no peito do noivo, que caiu morto. A garota, ainda vestida de noiva, saiu correndo gritando, pedindo socorro, desesperadamente, mas, foi tudo em vão. O assassino, ao alcançá-la, imobilizou-a com um golpe de jiu-jítsu, e, ao amordaçá-la com algodão, cometeu o mais bárbaro crime contra uma pessoa indefesa, estuprando a garota covardemente. Não resistindo à brutal violência animalesca, naquele local, faleceu. O maníaco eviscerado, friamente, como se nada tivesse acontecido, juntou os corpos, e os enterrou numa vala, trezentos metros mata adentro; desapareceu com o veículo dos noivos e sumiu, não deixando pistas.
          Muito tempo depois, ao ser descoberta a sepultura do casal, e constatado através de autópsia, o crime hediondo, o pai da noiva ofereceu, em recompensa, uma fortuna em dinheiro para quem lhe trouxesse a cabeça do monstro homicida vivo ou morto. Mas, até hoje ninguém, nem a polícia, o prendeu. 
          A partir desse crime trágico, a aparição da “Loira da Matão” tem sido uma constante e um pesadelo assombroso em toda a região do noroeste paranaense. Depois que se espalhou o boato sobre a aparição da “LOIRA FANTASMA”, a um caminhoneiro, naquele trecho, num certo dia à noite, muitos caminhoneiros não trafegam mais por ali ao anoitecer. Por isso, ela ficou cognominada: “A LOIRA FANTASMA DOS CAMINHONEIROS”. O que não a impediu de aparecer para inúmeras pessoas.

Relato de um caminhoneiro

          Um caminhoneiro, que pediu para não ser identificado, jurou-me, por tudo o que havia de mais sagrado, tê-la encontrado duas vezes, numa mesma noite. Já tinha ouvido falar dela antes, porém, achava tudo uma lorota, uma balela, conversa fiada; não cria na sua existência. Achava que era pura invenção do povo que não tinha o que fazer que, inventava aquilo para amedrontar os caminhoneiros e os furtadores de laranja à beira da estrada. Era um homem cético nesses assuntos sobrenaturais. Acreditava que quem morria não voltava para perturbar ninguém. Mas que, se, hoje, lhe falarem que um cachorro fala, um papagaio pensa e um elefante toca piano, ele já não duvida de mais nada.

E contou-me a seguinte história:

          - Certo dia, eu peguei um frete – uma pequena mudança de Marilena a Paranavaí. Entre nove e dez horas da noite, justamente no trecho do pavor, no quilômetro cinquenta e quatro, um pneu do caminhão furou. Era sábado, noite de lua cheia... Bonita. Parei no acostamento e desci. Ao pôr os meus pés no chão, eu senti algo estranho, um arrepio esquisito. Olhei instantaneamente à mata que roncava em sono profundo. O barulho dos bichos noturnos e o chirriar da coruja ressoavam em eco de encanto, espanto e magia. A escuridão penetrava, furiosamente, o coração da relva virgem. Nunca tinha sentido medo de coisa alguma, no entanto, naquele momento, fiquei transfigurado, paralisado, congelado até a alma.
          Ao perceber, por entre as folhagens um vulto que vagarosamente surgia e ressurgia do nada. Seu espírito ia se materializando... Seus olhos eram tristes, porém verdes e encantadores. Seu rosto, meigo como o de um anjo. Seus cabelos, longos e cor-de-mel. De seu corpo umedecido, escultural, torneado como o de uma musa inspiradora, pingavam gotículas de orvalho. No emaranhado de cipós deslizava-se como uma pantera e vinha ao meu encontro iradamente. Senti-me colado ao chão, fui tomado por uma síncope descomunal. Estático, não pude nem correr, nem gritar. O instante de perigo foi mágico! Engoli a voz, fiquei com os olhos esbugalhados. Meu subconsciente me revelou de supetão: “É a Loira da Matão!”. Senti instintivamente que “ela” ia me pegar, e, sem titubear, apelei urgentemente para o meu santo protetor, São Cristóvão. Supliquei-lhe e implorei-lhe por socorro... Fiquei aliviado e maravilhado quando voltei em mim e percebi que tinha sido protegido por ele, quando vi aquela alma vagante sumir como um raio mata adentro.
            Recuperado do susto, troquei o pneu e pus o pé na estrada. Restabelecido, comecei a cantarolar músicas sertanejas... Já havia andado mais ou menos uns cinco quilômetros, quando, de repente, parei de cantar e pensei: “Aquilo foi uma miragem, um sonho, um devaneio. Afinal, estou cansado, sem dormir desde ontem, vida de caminhoneiro não é fácil! A gente começa a ver coisas estranhas. Até fantasma aparece! ”convenci-me que tinha cochilado... sonhado, tido uma alucinação, sei lá! Coisas da insônia... quem sabe? ”.
            Repentinamente, olhei na estrada e vi uma linda mulher, loira, linda, daquelas de arrepiar até a alma! Acenava e me pedia carona. Como bom cristão que sou, diminui a velocidade do meu “garanhão”, pensei em parar e levá-la. Mas, ao me aproximar, lembrei-me da miragem, do pesadelo, daquela coisa que tinha visto minutos antes, e, ainda meio confuso, traumatizado, pisei fundo no acelerador e saí na disparada... Juro que me esqueci nesse momento o meu lado caridoso. Nervoso, liguei o rádio, acendi um cigarro e tentei não pensar naquilo.
            Meu caro caçador de história, quase morri de medo, quando olhei à minha direita e vi-a sentada ali, do meu lado, e, sem saber o que fazer – e nem sei como ela entrou – comecei a orar e a rogar para todos os santos. Mas, nada adiantava, ela continuava ali, como quem desejasse se comunicar. Enfurecida, ela começou a se metamorfosear: seus olhos começaram a lampejar; de seus ouvidos, nariz e boca brotavam algodão, muito algodão ensanguentado; de seu corpo em erupção jorrava sangue por toda parte e exalava um odor, um mau cheiro insuportável... Aos poucos foi se decompondo... Era coisa d’outro mundo, cara! Eu fiquei desesperado, perdi o controle do caminhão que no asfalto derrapava num e noutro acostamento, num ziguezague... Eu vi a morte sentada ao meu lado, fiquei frente a frente com a feiura da morte. Nunca vi nada tão horroroso em toda a minha vida. Sentindo que eu ia morrer, vendo a morte de perto sentada ao meu lado, comecei a orar e a clamar por Deus, em nome de Jesus Cristo Nosso Senhor, dizendo: Salve-me, senhor! Salve-me, senhor! Sangue de Cristo tem poder! Perdoa os meus pecados! Eu acredito! Eu acredito em Deus!...
            E, o bicho, transfigurado, como “fênix”, ressurgiu daquela coisa gosmenta, olhou pra mim, como quem me dissesse por telepatia: Estou decepcionada. E, imediatamente, voou pela boleia do caminhão, esvoaçante e, misteriosamente, desapareceu na escuridão.

          Depois, segui minha viagem e confesso que, por ali, naquele trecho do medo, não passo ao anoitecer de jeito nenhum, nem que me pague uma fazenda de café, um caminhão de dinheiro, porque o bicho é feio, fede como gambá e é assustador... Deus que me livre!... Ninguém merece se deparar com aquela coisa doutro mundo.

O Motoqueiro

            Eu mesmo fui testemunha ocular de um momento atípico, inexplicável, e, até cômico, engraçado: Enquanto eu entrevistava um borracheiro, por volta das dezoito horas daquele sábado, surgiu como um furacão um motoqueiro e a sua acompanhante, ambos estavam de cabelos em pé, trêmulos, com os olhos arregalados e assombrados... Não conseguiam pronunciar uma palavra corretamente. Somente alguns instantes depois a mulher parecendo um espantalho, disse:
            - Há uns dois quilômetros atrás fomos perseguidos por um ser estranho, que flutuava ao nosso lado, e quanto mais o Caju pisava, corria com a moto, mais o vulto nos acompanhava e nos seguia como um fogo esvoaçante. Nunca vi nada igual em toda a minha vida. Pensei que fosse morrer!
            O motoqueiro, sem graça – um negão de quase dois metros de altura – recompôs a voz, e disse para o borracheiro:
            - Cara, eu tô todo borrado, tô podre... Cagado mesmo! O que era aquilo pelo amor de Deus! Jesus Cristo! Nunca tinha visto uma assombração em toda a minha vida. Pensava que isso era coisa de filme de ficção, sei lá!     
 Desengonçado, cabisbaixo e resmungando muito, acrescentou, dizendo:
            - Confesso, sou medroso pra caramba. Tô muito envergonhado. Mas preciso do seu banheiro para me limpar.        
             Depois do banho, agradeceu... “E, com a sua garota seguiram para o bailão em Loanda”.
            O velho borracheiro, assim que o motoqueiro deitou o cabelo, me disse:     
            - Essa Loira já deu muito que falar, eu já ouvi cada história sobre ela que até Deus duvida! Mas, eu nunca tinha me deparado com um fato em que eu fizesse parte da história dela... Eu me sinto neste momento um figurante. Mas, que o cara se defecou todo, ah, isso defecou!
            O borracheiro riu muito... E, eu também.

O sussurro revelador

            Era noite de sábado. Passavam das duas horas da manhã. Ivo e Beatriz voltavam de um churrasco entre amigos da cidade de Guairaçá para Nova Londrina. Junto com eles vinham mais dois amigos: Ricardo e Vitor.
            O som do carro em alto volume... Todos muito felizes, curtindo a música e cantarolando... quando o veículo entrou no trecho da Fazenda Matão, aproximadamente, mil metros, adentro, viram uma linda mulher loira de cabelos longos, pedindo carona. Ivo diminuiu a velocidade do carro e disse:
            - Acho que foi assaltada.
            Beatriz, num ato sensitivo disse de supetão:
            - Não, não pare! Toca, toca... ou eu pulo!
            Ivo obedeceu à amiga e acelerou forte e saiu na disparada.
            Ricardo e Vitor começaram a rir e disseram, zombando:
            - Era a Loira da Matão! Rsrsrsrsrsrsrs... que medo!     
            Beatriz ficou brava e resmungou... reprovou a atitude dos amigos e falou:
            - Vocês não sabem de nada! Calem essas bocas, pelo amor de Deus!
            Quando Ivo olhou pelo retrovisor, estava lá o rosto da loira, feito bola de fogo, seguindo o veículo. Apavorado, ele pisou fundo no acelerador ultrapassando a 110 km/h. de repente, ela sumiu do espelho. E, naquele momento, o carro começou a gelar por dentro, como se o ar condicionado estivesse ligado no último, era como se tivesse ligado a geladeira da morte. Inexplicavelmente, ela entrou no carro e sentou-se entre Ricardo e Vitor, exalando seu cheiro de dama fantasma, impregnando o ambiente com seu aroma inebriante.
             Beatriz ao vê-la tampou os olhos, ficou cabisbaixa, e disse:
          - Pare o carro Ivo! Não olhem pra ela! Não olhem! Por favor!
            Mas, já era tarde... todos ficaram hipnotizados, encantados pela sua beleza deslumbrante.
            De repente, a loira começou a se metamorfosear: Aos poucos se transformou numa coisa horrenda, jamais imaginada pelos olhos humanos. Seu corpo começou a entrar em estado de decomposição... Era sangue escorrendo do nariz e da boca; seus olhos ficaram da cor verde-limão; seus cabelos loiros se transformaram em poucos fios brancos, e de seus ouvidos saíram algodão misturado com sangue, exalando um odor horrível... "Virou bicho feio, a coisa mais estranha do mundo."
            Nesse instante, todos gritaram apavorados e começaram a Rezar... Imploraram aos Santos – proteção e piedade... nesse momento de pânico, Ivo perdeu a direção e se colidiu de frente com um animal, não conseguiu desviar da vaca e todos ficaram gravemente feridos.
            A vaca morreu instantaneamente no local. Beatriz, em transe, meio grogue, tirou a mão dos olhos e percebeu que estava fora do carro. Ainda em estado de choque viu a loira bela e linda sentada ao seu lado, olhando-a. Fechou os olhos rapidamente e começou a rezar...
            Eis o que a loira lhe falou:
             - Abra os seus olhos. Por que tem tanto medo de mim? Não farei nenhum mal a você. Eu só estava procurando ajuda... fui estuprada quando seguia para lua de mel. Meu noivo foi brutalmente assassinado.
            Beatriz, vagarosamente, abriu os olhos e lhe disse:
            - Isso lhe aconteceu há muito tempo atrás, há mais de 50 anos. Você está morta!... Por que não procura a luz?   
            Assustada e confusa a loira olhou pra ela e disse:
          - Não!... Você está louca! Acabou de acontecer... como pode zombar da minha desgraça assim?!
            Beatriz encabulada, pensativa... fitou-a e lhe disse:
            - Não acredita em mim? Olhe-se no espelho e verá que lhe digo a verdade.
            A loira abaixou a cabeça e, mesmo não acreditando no que ouvira, foi até o carro, e ao se olhar pelo retrovisor não viu a sua imagem refletir. Voltou assustada, como um relâmpago e entristecida disse a si mesma: “Por que meu Deus?! Por quê?! Cadê meu rosto?! Por que não me vejo?”
            Voltou até Beatriz e lhe perguntou:
            - Como você sabia disso?
            E, Beatriz lhe respondeu:
             - Ouço a sua história desde que me conheço por gente, desde pequenininha. Você não acha estranho saber do meu nome sem me conhecer? Veja o que fez!... Destruiu a minha vida e os meus amigos talvez estejam todos mortos.
            Como um raio, a loira correu até o carro... Voltou a Beatriz e lhe informou:
            - Estão todos vivos, mas correm perigo de morte, vou buscar ajuda.
Beatriz apavorada lhe disse:
          - Não faça isso! Você vai causar mais acidentes e mortes.
          A loira lhe responde:
          - Durma menina! Volto logo!
          A loira, de repente, desapareceu... Cinco minutos depois veio o socorro... A viatura da polícia e a ambulância.
          Ao chegarem ao hospital os médicos estranharam, pois, todos estavam hipotérmicos em pleno verão. Graças à rapidez do atendimento nem um entrou em óbito.
          Aos poucos despertaram, e ao serem interrogados sobre o acidente, não tiveram coragem de contar o porquê, o motivo, a aparição da loira. Temeram as críticas, os sarros, os risos; o falatório que aconteceria na cidade...
          Ivo disse que se assustou ao ver um animal no meio da pista. Perdeu a direção e, infelizmente, bateu de frente com uma vaca... agradeceu os policiais e os paramédicos pelo socorro, e perguntou quem teria sido o anjo que lhes avisaram sobre o acidente... Depois disse: “Se vocês não chegassem rápido, estaríamos todos mortos”.
          O policial respondeu-lhe:
          - Uma linda loira vestida de branco contou-nos sobre o acidente e a localidade. Por incrível que pareça, ela sumiu como um furacão. Simplesmente, desapareceu.
          Ivo disse-lhe:
          - Nossa! Como assim?
          O policial completou:
          - Tudo foi muito rápido. Apressamo-nos para socorrê-los. Acho que ela não quis dar depoimento. Mas, ela os salvou, com certeza.
          Ivo exclamou:
          - Graças a Deus! Deus a abençoe!
          Quando os policiais saíram, Ivo disse a Beatriz:
          - Você ouviu isso?         
          - Sim. Foi a Loira da Matão que os avisou.
Ivo lhe respondeu, grotescamente:
          - Para! Você tá louca!
          Beatriz lhe disse afirmativamente:
          - Tô falando sério! Foi ela sim. Ela me cumprimentou, e se chama Léia... Ela pensava que estava viva. Procurava nossa ajuda. Vamos rezar para que ela encontre a luz, e a sua alma descanse em paz. É isso que temos que fazer.
          Ivo, mesmo não acreditando, balançou a cabeça concordando, e disse:
          - Você tem razão... Não vamos contar essa história a ninguém, ou seremos motivos de piadas na cidade. Eu lhe afirmo que, vi o bicho mais feio do mundo dentro do carro; muito bizarro...  Deus que me livre!
          Ivo, Beatriz e seus amigos selaram um pacto de silêncio. Essa história aconteceu há mais de quinze anos, e esses amigos, até hoje, a todos os sábados, do mês deste acontecimento, à meia noite, fazem uma corrente de orações para que, a Loira da Matão, encontre o descanso eterno.
          Beatriz nunca se esqueceu daquela hora em que a loira pediu para que ela adormecesse, e, foi buscar ajuda, e sussurrou em seu ouvido, dizendo:
          "Seu nome é Beatriz, o meu é Wanderléia, mas, pode me chamar de Léia. Prazer em conhecê-la!
          E, nunca mais a viu.
O acampamento na Fazenda Matão

        Um casal de namorado, desavisado, sem conhecer a história da Loira da Matão, foi acampar bem no centro da mata da Fazenda Matão. O casal era de fora e nunca tinha ouvido falar nesse episódio. O rapaz era metido à valente, destemido e corajoso e, a moça era estudante de história na capital do Estado do Rio Grande do Sul. Ele era filho de família bem-sucedida no Rio de Janeiro, e ela filha de Taxista na cidade de Porto Alegre.
        Conheceram-se pela internet e era a primeira vez que estavam fisicamente juntos. Como ele passava as férias na fazenda de um amigo, resolveu trazer a namorada para fazer um programa de fim de semana, diferente, no meio da mata virgem.
        Já era tardezinha quando um trabalhador rural, passando por ali, viu aquele casal arrumando a cabana no centro da mata e lhes disse:
        - Boa tarde! Vocês não são daqui... por que, se fossem, jamais acampariam neste lugar. Com certeza nunca ouviram falar na Loira da Matão, né?
        Carlos lhe respondeu:
        - Não! Já acampei em muitos lugarejos do Brasil... o senhor nem imagina. Já estive em cada lugar que até Deus duvida.
        Seu José, homem simples, boia-fria, caçador de fim de semana, lhe respondeu:
        - Se o senhor soubesse da história, não diria isso, não estaria aqui.
        Ana, ouvindo aquela conversa, fitou seu José e lhe perguntou:
        - Mas, que história é essa?  Do que o senhor tá falando?
        Seu José, que conhecia bem a história da Loira da Matão, respondeu:
        - Bem, senhorita, a história é longa e assustadora, e, se eu lhe contar, provavelmente, você e seu namorado levantarão acampamento e, eu não quero estragar a diversão de ninguém.
        Carlos interferiu, dizendo:
        - Senhor, como é o seu nome?
        - José. E o seu?
        - Carlos e o da minha namorada é Ana.
            E, Carlos lhe falou:
        - Seu José, eu sou filho da geração do norte do Paraná, do norte velho, londrinense, e meus avós foram pioneiros, desbravadores dessas a terras do café, tenho o legado dos pés vermelhos, nasci no Rio de Janeiro, mas, meu sangue é paranaense dessas bandas. Meus antepassados ajudaram a formar a maioria das cidades do Norte novo e do Noroeste paranaense, e me contaram muitas histórias e estórias, lendas sobrenaturais, coisas macabras. Portanto, nada me assusta mais, por que cresci ouvindo essas coisas doutro mundo. E, lhe digo, sinceramente, nunca vi uma assombração a olho nu, e nem acredito nessas coisas.
        O seu José balançou a cabeça, afirmativamente, com desconfiança, e abriu a boca, dizendo:
        - Se é assim, vou andando, porque já é quase a sexta-hora, e tenho que deitar o cabelo. Boa sorte pra vocês e que o senhor continue assim, corajoso. Eu lhe digo, que, por essas bandas, quem conhece a história da Loira da Matão, não acampa aqui, principalmente neste local. Mas, que Deus os abençoe!
        E, falando isso, o velho matuto, partiu mata adentro. Ana, encucada, disse ao Carlos:
        - Amor, você não acha que deveríamos ter ouvido a história sobre essa tal Loira?
        E, Carlos balançou a cabeça, negativamente, e lhe respondeu:
        - Para com isso, amor! Esses matutos têm medo de qualquer coisa. Basta lhe contarem algo fantasioso, uma mentirinha escabrosa, e pronto, já fazem um estardalhaço, e a história ganha os ouvidos do povo e vira lenda.
        Mas, a namorada, espiritualista que era, ficou irrequieta, formigando-lhe o cérebro, e o clima que era amistoso, já não era o mesmo.
            O namorado percebendo aquela indiferença lhe disse:
        - Princesa, minha linda, vai preparando a salada que eu faço o arroz com galinha.
        Carlos acendeu o fogãozinho a gás e começou a cozer os alimentos e disse à namorada:
        - Amor, tenha calma, aquele caipira só quis lhe assustar, colocar caraminholas na sua cabeça. Não vamos deixar essa história, que nem conhecemos, estragar o nosso fim de semana.
        E, assim, os namorados que curtiam aquela aventura incrível, essencialmente à Ana, era a sua primeira vez em mata fechada; terminaram de jantar, tomaram uma cervejinha gelada e ficaram apreciando àquele momento que já anunciava a chegada da noite.
        Por volta das vinte e uma horas, num clima romântico, entre abraços e beijos ardentes, à luz do luar, enamoraram-se e amaram-se.
        Ana, saciada, se levantou e pegou mais uma cerveja e, ao olhar à copa de uma grande árvore, avistou um vulto, lá no topo, e gritou:
        - Deus do céu, o que é aquilo?!
        Carlos, imediatamente, se levantou assustado, e disse:
        - O quê? Aonde? Cadê?!
        Ela respondeu apavorada:
        - Ali, na copa da árvore grande! Olha lá! Parece um bicho, um macaco grande... sei lá!
        De repente, pulando de galho abaixo, algo fenomenal apresenta-se, e lhes diz:
        - Boa noite! Desculpa! Não pretendia assustar ninguém.
        Uma voz fininha, trêmula, respondeu, assustadoramente:
        - Boa noite! E você, quem é?
        Sem pestanejar, ela respondeu:
        - Eu sou a Loira da Matão!
        Carlos, o corajoso, desmaiou... Ana, mesmo apavorada, espiritualista que era, disse à loira:
        - Você quer nos matar de susto! Fica em cima da árvore nos espionando e, de repente, desce como um bicho bravo, doido... você não tem educação?
        A Loira da Matão ficou acanhada, chateada e lhe respondeu:
        - Desculpa! Aliás, eu já lhes pedi desculpa. É que fiquei emocionada ao vê-los aqui, um casal lindo e carinhoso, e me recordei da minha vida passada.
        Nisso, Carlos, ainda em estado de choque se recompôs, abraça a namorada e fica como um Zumbi encarando a Loira da Matão, e lhe pergunta:
        - Como assim? Vida passada! Você, por acaso, não é deste mundo? É isso mesmo?
        A Loira da Matão, linda e deslumbrante, respondeu:
       - É isso mesmo. Eu sou doutro mundo. Já faz algum tempo que não pertenço a este belo planeta. Mas, ao vê-los aqui, neste espetáculo de Deus, eu não aguentei e vim apreciar este momento de amor tão lindo, tão infinito e fiquei bisbilhotando. Eu me recordei de um momento, como o de vocês, que vivi aqui mesmo, há muito tempo, com o meu noivo.
        Ana, encantada com a Loira da Matão, perguntou:
        - Por isso, que o seu José, o velho matuto, nos quis contar a sua história, mas, o Carlos, praticamente o impediu, por não acreditar.
        E a Loira lhe respondeu:
        - Entre o céu e a terra há muitas moradas, muitos mistérios, e hoje sou um deles. Um fantasma.
        Carlos, ofegante, não acreditando no que via e ouvia, disse:
        - Mas, o que ouve de fato contigo? Quem é você? Ou melhor, quem era você? Fantasma... não pode ser!
        - Eu era uma menina linda e cheia de amor e sonhos, de 17 anos, feliz da vida. Tinha encontrado, o meu príncipe encantado, o homem mais lindo do mundo...  Naquele sábado, meu casamento tinha sido perfeito. Tudo estava como eu tinha sonhado, parecia conto de fadas...  Foi real.  Mas, na ida para a nossa lua de mel, deu um defeito em nosso carro, na entrada da BR, rumo à cidade de Paranavaí. Um caminhoneiro parou para nos ajudar e, ao me ver, ainda vestida de noiva, ficou louco, desferiu um golpe certeiro em meu marido, que morreu na hora, e depois, estuprou-me covardemente, como um animal feroz, enraivecido; um demônio.  Foi muito triste... e, depois, deu cabo à aminha vida. E nos enterrou no meio desta mata. Aquele satanás nos destruiu, foi o nosso algoz, o nosso fim; o fim de um amor perfeito, lindo; de um sonho de vida.
            Por isso, fui para os caminhoneiros a perseguição infalível, a maldição implacável, o desejo de matar o meu assassino, a vingança. Eu o procurei como uma agulha no palheiro. Mas, acabei sendo o fantasma que assustou muitos inocentes. Não me lembrava direito do rosto daquele monstro. O meu trauma foi tão grande que eu não me lembrava de sua fisionomia, foi tudo muito rápido, triste mesmo. Mas, já fui a salvação de muitas vidas também, já socorri muita gente acidentada por essas estradas.
            Mas, para vocês, sou apenas uma péssima visão, um fantasma, uma intrusa que se encantou com o amor que transborda em suas veias, e que vivem essa magia linda dos amantes, de amor verdadeiro. Eu também vivi esse amor...   Perdoem-me, mas vocês me fizeram voltar ao meu passado, ao meu amor e reviver a minha história feliz de final trágico.
        Eu procurava o meu exterminador e, hoje, quis o destino que o meu algoz, o caminhoneiro estuprador e assassino se envolvesse num acidente fatal, nas proximidades da minha tragédia.
        Ao vê-lo, ali, na ânsia da morte, aproximei-me, como estava naquele dia, vestida de noiva, linda e maravilhosa, e o reconheci, e lhe disse:
        - Você está me reconhecendo? Sabe quem sou eu, infeliz?
        Ele, meio grogue, agonizante, respondeu-me:
        - Você me parece familiar, mas, não me recordo de onde.
        Eu lhe disse:
        - Você foi o meu assassino, o demônio que impediu a minha felicidade... matou a mim e o amor da minha vida, o meu marido. Estávamos indo para lua de mel, o casal mais feliz do mundo e o nosso carro quebrou, você nos ofereceu ajuda... matou o meu amor e me estuprou e, depois, me matou... e nos enterrou nessa mata, poucos metros à dentro. Você se lembra, maldito?! Você foi a destruição da minha vida, a escuridão da minha alma. Você roubou a vida e a história de um casal feliz. Matou-nos de forma cruel, covarde! Você é o meu ódio, o câncer da minha vida, minha vingança implacável. Eu lhe procurei como uma agulha no palheiro. Muita gente morreu de acidente ao se deparar comigo, tornei-me essa coisa horrenda, esse bicho feio (daí me transformei...) que você vê agora. Eu lhe busquei em cada caminhoneiro e, não o achei. Desgraçado! Acabei fazendo mal a muita gente que não tinha nada a ver com a sua maldade.
        Somente aí ele se deu conta e se lembrou da atrocidade que havia cometido, e me disse:
            - Perdoa-me. Eu era mal e, depois daquele episódio, vivi como Caim... nunca mais tive paz e vivi meu próprio inferno. Naquele dia fui possuído por uma força maligna, e o mal se instalou dentro de mim. Perdoa-me, pelo amor de Deus!
            Fitando-o, eu lhe disse:
            - Perdoá-lo?!... Maldito! Só Deus, pode! Eu tenho pena de você. Que Deus, no dia do juízo final lhe dê o veredicto que merece. Que queime no mármore do inferno.
            E, só saí dali quando o vi dar o último suspiro e morrer... e vim descansar na copa dessa frondosa árvore. Aqui, era o local que eu e meu amor nos encontrávamos... Agora, estou livre de perseguir o meu algoz, estou à disposição de Deus.
        Ana lhe perguntou:
        - Por que você nos apareceu?
        E ela respondeu:
        - Ouvi toda a conversa do Carlos com o Seu José – um matuto de fé e justo, e, resolvi aparecer, principalmente, porque o Carlos disse que não acreditava em coisas doutro mundo.
          Mas, agora tenho que ir. Não tenham medo de mim. Continuem aqui, no acampamento e divirtam-se, e amem-se, infinitamente, porque o amor é o que realmente vale a pena, é o que fica o move o sentimento divino.
          E ela voou para a copa da árvore.
          E, de repente, apareceram três caçadores armados e deram voz de assalto ao Carlos... Eles o amarraram. Pegaram a Ana à força... disseram um monte de palavras de baixo calão e, quando tentaram despi-la, a Loira da Matão apareceu de supetão, e disse-lhes:
          - Larguem-na, e sumam daqui, antes que eu os matem! Eu sou a Loira da Matão! A loira fantasma dos caminhoneiros!
          E os bandidos, assustados, vendo em sua frente um bicho doutro mundo, saíram em disparada, mata adentro, e desapareceram.
          O casal se recompôs do tremendo susto, agradeceram-na... entraram na cabana e dormiram.
          Ao amanhecer, levantaram-se, fizeram o café da manhã, saborearam o ar fresco matinal, levantaram acampamento e partiram rumo à cidade do Cristo Redentor.
          Pegaram o avião na cidade de Londrina e dentro da aeronave ficaram calados, como se nada tivesse acontecido, como se tudo aquilo tivesse sido um sonho, ou um pesadelo. Fizeram um pacto e nunca mais falaram sobre o assunto.

Fernandes, Osmar Soares, 1961,
A LOIRA DA MATÃO,
OSMAR SOARES FERNANDES,
São Paulo / Scortecci, 1ª edição: 1999
 (JS2708-1000072011999)


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