Trabalhando

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Sessão da Câmara Municipal

sábado, 4 de maio de 2013

O professor de Itu


         Tudo começou com o requerimento do professor Bosco, que solicitou aposentadoria por tempo de serviço. Analisado pelo departamento pessoal, foi deferido pelo chefe imediatamente.
Dessa forma, foi aberta uma vaga na disciplina de História. O diretor da escola, depois de analisar alguns currículos, optou pelo professor Beto, de Itu. Solicitou à secretária que entrasse em contato com ele e o convidasse para uma entrevista.
A notícia espalhou-se rapidamente pelo colégio, ganhando, inclusive, manchete de destaque no jornalzinho dos estudantes. Todo mundo estava curioso. Afinal, a fama de Itu é grande. Do servente ao diretor, não se falava em outra coisa. O assunto corria solto e malicioso de boca a boca. Dois dias depois, o diretor perguntou à secretária Beth:
— Você já falou com o professor Beto? 
— Telefonei e deixei o recado na secretária eletrônica, mas até agora ele não me retornou a ligação. 
— Então tente outra vez. 
Beth telefonou novamente para o professor. Dessa vez teve mais sorte e foi atendida por ele. 
— Alô, quem fala? 
— Aqui é o professor Beto. 
— Oi, professor, tudo bem? 
— Tudo bem, graças a Deus. 
— Aqui é a secretária Beth, da Escola Padrão da cidade de Crocal. 
Nosso diretor, o senhor Pedro, está lhe convidando para uma entrevista, pois o nosso professor de História se aposentou e estamos precisando urgente de um substituto.
O professor respondeu que iria na segunda-feira. Chegaria às quinze horas. A secretária ficou deslumbrada com o vozeirão do professor. Chegou na sala de reuniões tremendo, tomou um copo d’água e exclamou:
— Nossa! 
A professora Dayane espantou-se: 
— O que foi, menina?! 
— Que voz grossa e linda ele tem! 
— Ele, quem? 
— O professor de Itu. 
A aluna Almerinda, que ouvia tudo, saiu de fininho e foi logo contar a novidade para os colegas. Era intervalo, e no corredor o papo foi um só: 
— Gente! Vocês não sabem da maior: o professor de Itu chegará na segunda-feira, às quinze horas. A Dona Beth falou com ele por telefone e chegou a passar mal só de ouvi-lo. Se a voz a fez tremer, imaginem como deve ser o resto... 
A malícia ganhou corpo pelos corredores. Já havia aluno com ciúmes do professor. As meninas não comentavam outra coisa: “Este professor deve ser uma loucura...”. Pisquila, a “bichinha”, ficou enlouquecida com a notícia.
Desmunhecou o tempo todo, fantasiando loucuras com o novo professor. O clima era, no mínimo, estranho para um colégio particular de classe média.  
Um colega dele desavisado perguntou-lhe: 
— Por que há tanto falatório sobre o novo professor? 
— Porque ele é de Itu, meu bem! Uma cidade linda do interior de São Paulo. 
— E o que isso tem a ver? 
— Você não sabe, queridinho? Lá, tudo é grande! 
Missada ficou sem entender. Envergonhado, não quis prosseguir o diálogo e saiu discretamente. 
A professora Carlota era “viciada” em homem, mas na escola passava a imagem de santa, de virgem adormecida. Chata, moralista, dava lição de moral em qualquer um que se atrevesse a comentar maliciosamente sobre o professor de Itu. Passando pelo corredor, ouviu uma aluna cochichar: 
— Esse professor deve ser mesmo um gostosão! Deve ter tudo bem grande, ENOOORME!
A professora, por alguns segundos, “viajou na maionese” e imaginou o professor de Itu fazendo “ Strip-tease” exclusivamente para ela. Em sua fértil imaginação, o homem era um fenômeno sexual, um gigante carnal.
Arrepiada, saiu correndo para a sua casa. Chegando lá, foi direto para o banheiro tomar uma ducha fria. 
Era segunda-feira, quinze horas. Na frente da escola estava reunido um comitê de recepção. Tinha mais de quinhentas pessoas aguardando a chegada do mais novo e esperado professor do colégio. De repente, parou um táxi. No banco traseiro estava sentado um passageiro exótico... todos ficaram pasmados, o espanto foi generalizado. Desceu do carro e disse: 
— Boa tarde!  
Sorridente e feliz ao ver tanta gente à sua espera, perguntou: 
— Quem é o diretor da escola? 
O diretor, meio sem graça, respondeu baixinho: 
— Sou eu. E o senhor, quem é? 
— Sou o professor Beto, de Itu. 
Nesse instante, Pisquila, a “bichinha”, de supetão gritou escandalosamente: 
— Meu Deus! Que é isso!
E desmaiou... foi imediatamente socorrido pelos amigos e professores. Não foi nada grave. Socorreram o aluno e as pessoas foram esvaziando o local rapidamente. 
O diretor, extasiado, convidou o professor Beto para ir ao seu gabinete. Fez a entrevista e ficou entusiasmado, contratando o novo mestre. Mas, intrigado com o episódio do aluno, o professor Beto perguntou: 
— O que houve com aquele garoto? 
— Bem... O senhor deve imaginar a reação das pessoas quando se comenta que alguém é de Itu. 
O professor discretamente sorriu, não entrou em detalhes e começou a lecionar... decorrido seis meses, o professor conquistou o seu espaço na escola. O seu sucesso era reconhecido pelos alunos, pelos pais de alunos, pelos funcionários, pelos demais mestres, e principalmente pelo diretor. Sua sabedoria era descomunal... A Escola Padrão não era mais a mesma. Passou a ser um exemplo de ensino, de conhecimento, de disciplina e respeito na região de Crocal. 
No dia 7 de setembro, em frente ao Paço Municipal, estavam reunidas todas as autoridades e todas as escolas da cidade, e o professor de Itu, em seu discurso, disse: 
— A grandeza do homem está dentro dele. Temos que DIVIDIR A RESPONSABILIDADE, SUBTRAIR A DESORGANIZAÇÃO, MULTIPLICAR O CONHECIMENTO para podermos vencer os grandes obstáculos da vida... Pequenos ou grandes, o tamanho não importa. O importante mesmo é ser capaz de conquistar o seu próprio sonho, e ser feliz fisicamente, como você é. Eu sou ANÃO, mas sou um homem realizado. Há muito tempo dizia o sábio pensador:  “Nem tudo que é grande é bom, mas tudo o que é bom é grande”. Obrigado!

Fernandes, Osmar Soares, 1961,
Espelho de Cristal,
OSMAR SOARES FERNANDES,
São Paulo, Ed. Scortecci;
 1º edição: 2001, pág. 46 - 49

 (ISBN 85-7372-574-5)

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