Tudo começou com o requerimento do professor Bosco, que solicitou
aposentadoria por tempo de serviço. Analisado pelo departamento pessoal, foi
deferido pelo chefe imediatamente.
Dessa forma, foi aberta uma vaga na
disciplina de História. O diretor da escola, depois de analisar alguns
currículos, optou pelo professor Beto, de Itu. Solicitou à secretária que
entrasse em contato com ele e o convidasse para uma entrevista.
A notícia espalhou-se rapidamente pelo
colégio, ganhando, inclusive, manchete de destaque no jornalzinho dos
estudantes. Todo mundo estava curioso. Afinal, a fama de Itu é grande. Do
servente ao diretor, não se falava em outra coisa. O assunto corria solto e
malicioso de boca a boca. Dois dias depois, o diretor perguntou à secretária
Beth:
— Você já falou com o professor
Beto?
— Telefonei e deixei o recado na
secretária eletrônica, mas até agora ele não me retornou a ligação.
— Então tente outra vez.
Beth telefonou novamente para o
professor. Dessa vez teve mais sorte e foi atendida por ele.
— Alô, quem fala?
— Aqui é o professor Beto.
— Oi, professor, tudo bem?
— Tudo bem, graças a Deus.
— Aqui é a secretária Beth, da Escola
Padrão da cidade de Crocal.
Nosso diretor, o senhor Pedro, está lhe
convidando para uma entrevista, pois o nosso professor de História se aposentou
e estamos precisando urgente de um substituto.
O professor respondeu que iria na
segunda-feira. Chegaria às quinze horas. A secretária ficou deslumbrada com o
vozeirão do professor. Chegou na sala de reuniões tremendo, tomou um copo
d’água e exclamou:
— Nossa!
A professora Dayane espantou-se:
— O que foi, menina?!
— Que voz grossa e linda ele tem!
— Ele, quem?
— O professor de Itu.
A aluna Almerinda, que ouvia tudo, saiu
de fininho e foi logo contar a novidade para os colegas. Era intervalo, e no
corredor o papo foi um só:
— Gente! Vocês não sabem da maior: o
professor de Itu chegará na segunda-feira, às quinze horas. A Dona Beth falou
com ele por telefone e chegou a passar mal só de ouvi-lo. Se a voz a fez tremer,
imaginem como deve ser o resto...
A malícia ganhou corpo pelos
corredores. Já havia aluno com ciúmes do professor. As meninas não comentavam
outra coisa: “Este professor deve ser uma loucura...”. Pisquila, a
“bichinha”, ficou enlouquecida com a notícia.
Desmunhecou o tempo todo, fantasiando
loucuras com o novo professor. O clima era, no mínimo, estranho para um colégio
particular de classe média.
Um colega dele desavisado
perguntou-lhe:
— Por que há tanto falatório sobre o
novo professor?
— Porque ele é de Itu, meu bem! Uma
cidade linda do interior de São Paulo.
— E o que isso tem a ver?
— Você não sabe, queridinho? Lá, tudo é
grande!
Missada ficou sem entender.
Envergonhado, não quis prosseguir o diálogo e saiu discretamente.
A professora Carlota era “viciada” em
homem, mas na escola passava a imagem de santa, de virgem adormecida. Chata,
moralista, dava lição de moral em qualquer um que se atrevesse a comentar maliciosamente
sobre o professor de Itu. Passando pelo corredor, ouviu uma aluna
cochichar:
— Esse professor deve ser mesmo um
gostosão! Deve ter tudo bem grande, ENOOORME!
A professora, por alguns segundos,
“viajou na maionese” e imaginou o professor de Itu fazendo “ Strip-tease”
exclusivamente para ela. Em sua fértil imaginação, o homem era um fenômeno
sexual, um gigante carnal.
Arrepiada, saiu correndo para a sua
casa. Chegando lá, foi direto para o banheiro tomar uma ducha fria.
Era segunda-feira, quinze horas. Na
frente da escola estava reunido um comitê de recepção. Tinha mais de quinhentas
pessoas aguardando a chegada do mais novo e esperado professor do colégio. De
repente, parou um táxi. No banco traseiro estava sentado um passageiro exótico...
todos ficaram pasmados, o espanto foi generalizado. Desceu do carro e
disse:
— Boa tarde!
Sorridente e feliz ao ver tanta gente à sua espera, perguntou:
Sorridente e feliz ao ver tanta gente à sua espera, perguntou:
— Quem é o diretor da escola?
O diretor, meio sem graça, respondeu
baixinho:
— Sou eu. E o senhor, quem é?
— Sou o professor Beto, de Itu.
Nesse instante, Pisquila, a “bichinha”,
de supetão gritou escandalosamente:
— Meu Deus! Que é isso!
E desmaiou... foi imediatamente
socorrido pelos amigos e professores. Não foi nada grave. Socorreram o aluno e
as pessoas foram esvaziando o local rapidamente.
O diretor, extasiado, convidou o
professor Beto para ir ao seu gabinete. Fez a entrevista e ficou entusiasmado,
contratando o novo mestre. Mas, intrigado com o episódio do aluno, o professor
Beto perguntou:
— O que houve com aquele garoto?
— Bem... O senhor deve imaginar a
reação das pessoas quando se comenta que alguém é de Itu.
O professor discretamente sorriu, não
entrou em detalhes e começou a lecionar... decorrido seis meses, o
professor conquistou o seu espaço na escola. O seu sucesso era reconhecido
pelos alunos, pelos pais de alunos, pelos funcionários, pelos demais mestres, e
principalmente pelo diretor. Sua sabedoria era descomunal... A Escola Padrão não
era mais a mesma. Passou a ser um exemplo de ensino, de conhecimento, de
disciplina e respeito na região de Crocal.
No dia 7 de setembro, em frente ao Paço
Municipal, estavam reunidas todas as autoridades e todas as escolas da cidade,
e o professor de Itu, em seu discurso, disse:
— A grandeza do homem está dentro dele.
Temos que DIVIDIR A RESPONSABILIDADE, SUBTRAIR A DESORGANIZAÇÃO, MULTIPLICAR O
CONHECIMENTO para podermos vencer os grandes obstáculos da vida... Pequenos ou
grandes, o tamanho não importa. O importante mesmo é ser capaz de conquistar o
seu próprio sonho, e ser feliz fisicamente, como você é. Eu sou ANÃO, mas sou
um homem realizado. Há muito tempo dizia o sábio pensador: “Nem
tudo que é grande é bom, mas tudo o que é bom é grande”. Obrigado!
Fernandes, Osmar Soares, 1961,
Espelho de Cristal,
OSMAR SOARES FERNANDES,
São Paulo, Ed. Scortecci;
1º edição: 2001,
pág. 46 - 49
(ISBN 85-7372-574-5)
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