Trabalhando

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Sessão da Câmara Municipal

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Seu Pipoca



Seu Pipoca

Em frente ao colégio batia ponto.
Não vendia algodão doce, nem paçoca;
Não vendia pamonha, nem sonho;
Não vendia chiclete, nem Coca-Cola.

Seu nome confundia a garotada...
Todo mundo no recreio gritava:
“Seu Pipoca, cadê a pipoca?!”
Ele ria e caía na gargalhada.

Até o diretor não entendia,
Por que seu Pipoca,
Pipoca não vendia!
Isso virou motivo de fofoca.

A discussão adentrou à escola:
“Quem faz o sapato é o sapateiro;
O pipoqueiro faz a pipoca;
Mas, seu Pipoca, era o picolezeiro...”.


Prof Osmar Fernandes
Enviado por Prof Osmar Fernandes em 13/03/2009
Reeditado em 30/06/2017
Código do texto: T1483928
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O maior poder do mundo



O maior poder do mundo

                                                                                                                                                 
          O maior poder do mundo é a liberdade que a pessoa tem de ir e vir, o livre-arbítrio. Autodeterminação. É o poder que cada um tem de escolher o seu próprio destino. Esse direito é-nos dado por Deus desde o princípio dos tempos. Por isso, cada um “colhe o que planta”; carrega a cruz que deseja, merece.
          O respeito, o amor, a humildade são virtudes que o indivíduo  deve ter intrínsecas  em toda a sua vida. As leis de Deus e as leis do homem foram escritas para serem cumpridas. Elas  dão o equilíbrio e a base para que uma  pessoa  possa viver em sociedade e em harmonia com o ecossistema. Respeitá-las é um dever, fazê-las valer é um direito.
          A estrada da vida tem muitos caminhos, atalhos, buracos, esgotos,  esconderijos; céus e infernos. Não existe destino preestabelecido, escrito, como muitos acreditam. “Deus nos deu o livre-arbítrio.”  Quando alguém escolhe uma profissão, ali traçou a sua meta e o seu destino. Quem escolhe o caminho do estudo e conquista o seu diploma é porque desejou isso.  Quem escolhe o caminho das drogas cai no abismo, vegeta no submundo e   conhece o inferno... fez a sua escolha.
          O maior poder do mundo é tão fantástico, que, qualquer um de nós  pode mudar o seu  destino  a qualquer momento, pode mudar a sua via, o seu traçado a qualquer instante, é só querer.
           A vida é como o volante de um veículo, o carro vai tomar o rumo que o piloto desejar. É impossível que  o carro trace a sua própria rota. Logo, o resultado final é o que conta, está nas mãos do motorista.
          Um homem sem decisão é um homem sem razão!... É preciso ter coragem para tomar em suas mãos as rédeas do seu destino. Só vence quem tenta, quem luta e inventa.
           Então, mexa-se, invente alguma coisa boa e nova e dê  ânimo e vida ao seu destino.
 
 
Fernandes, Osmar Soares/Crisálida:
A Motivação da vida
Curitiba: Ed. Torre de Papel, 2003, pág. 14
CDD (20ª ed.) B869.85

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Otimista X Pessimista



Otimista X Pessimista

                                                                                                                           
          O otimista tem como lema: Vencer ou vencer! Julga tudo o melhor possível; é um líder nato do pensamento positivo; em tudo tem bom ânimo; é o engenheiro do sonho. Sua motivação está sempre em sintonia com  a natureza... Tem beleza de vida eternamente. Transforma sementinhas de sonhos de esperanças em árvores milenares de frutos doces. Tem a tendência  privilegiada em ver o belo, o lado glorioso da luta; o êxtase da vitória.
          Por outro lado, o pessimista tem como lema a palavra:  Não!...  Não vai dar certo;  não adianta nem tentar... Acha tudo péssimo e espera o pior de tudo. Tem como receita o comodismo, a preguiça, a inveja. É a derrota em pessoa. Costuma ovacionar tanto a vitória dos outros que esquece da sua. Seu espírito de negação sistemática é a sua marca registrada. Seu baixo astral é tanto, que, onde põe a mão, tudo dá errado. Seu pensamento negativo é o seu maior adversário.
          Para  vencer na vida é preciso antes de mais nada, ser 100% otimista e ter fé naquilo que faz.
          Já dizia o mestre: “Se você quer, você pode, é só acreditar que pode...”. A decisão do pontapé inicial, depende,  essencialmente, do querer, da atitude, da iniciativa, da força de vontade e do  desejo de realizar o sonho.
          O sábio é aquele que sabe o que quer, gosta do que faz,  e realiza o que sonha.

          Os dez mandamentos de um vencedor:

01) Compreender o seu livre-arbítrio, ter um sonho e descobrir o  seu dom;
02)  Ter iniciativa e atitude e traçar objetivos e estratégias para atingir o êxito;
03) Acreditar em si mesmo, e se preparar devorando conhecimentos;
04) Ter entusiasmo,  confiança e liderança;
05) Ter consciência de que fracassar mil  vezes não significa perder o sonho;
06) Ter humildade, simplicidade e persistência;
07) Não ser afoito e respeitar a intuição;
08) Ter  organização;
09) Ter l00% de otimismo e
10) Desejar  o troféu da vida.

Prof Osmar Fernandes
Enviado por Prof Osmar Fernandes em 22/03/2009
Código do texto: T1499243

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Na calada da noite



Na calada da noite



Na calada da noite
Os bichos noturnos
Saem à caça, e ao açoite,
Devoram suas vítimas.

Morcegos, corujas e ratos em rusgas...
Visão apurada, aproveitam a jornada,
Dominam o espaço e, com maestria,
Exterminam o inimigo com selvageria.

No sono do sol, no descanso do dia,
Os bichos da noite matam o sonho da vida.
Para uns, é a lei da sobrevivência.
Para outros, é a lei da permanência.

Uns, caçam para matar a fome.
Outros, matam a esperança da Nação.
Já mataram em nome de Deus...
Hoje, matam para se perpetuarem no poder.

Na calada da noite
A morte ronda o pernoite.
Para uns, é a lei da sobrevivência.
Para outros, é a lei da permanência.
Prof Osmar Fernandes
Enviado por Prof Osmar Fernandes em 30/06/2017
Código do texto: T6041867
Classificação de conteúdo: seguro

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segunda-feira, 19 de junho de 2017

Castro Alves


Antônio Frederico de Castro Alves(Curralinho, 14 de março de 1847 — Salvador, 6 de julho de 1871) foi um poeta brasileiro. Nasceu na fazenda Cabaceiras, a sete léguas (42 km) da vila de Nossa Senhora da Conceição de "Curralinho", hoje Castro Alves, no estado da Bahia.



Biografia de Castro Alves

Castro Alves (1847-1871) foi um poeta brasileiro. O último grande poeta da Terceira Geração Romântica no Brasil. "O Poeta dos Escravos". Expressou em suas poesias a indignação aos graves problemas sociais de seu tempo. Denunciou a crueldade da escravidão e clamou pela liberdade, dando ao romantismo um sentido social e revolucionário que o aproximava do realismo. Foi também o poeta do amor, sua poesia amorosa descreve a beleza e a sedução do corpo da mulher. É patrono da cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras.
Castro Alves (1847-1871) nasceu no município de Muritiba, Bahia, em 14 de março de 1847. Filho do médico Antônio José Alves, e também professor da Faculdade de Medicina de Salvador, e de Clélia Brasília da Silva Castro. No ano de 1853, foii com sua família morar em Salvador. Estudou no colégio de Abílio César Borges, onde era colega de Rui Barbosa. Demonstrou vocação apaixonada e precoce pela poesia. Em 1859 perdeu sua mãe. Em 24 de janeiro de 1862 perdeu seu pai. Casa com Maria Rosário Guimarães e nesse mesmo ano foi morar no Recife. A capital pernambucana efervescia com os ideais abolicionistas e republicanos e Castro Alves recebeu influências do líder estudantil Tobias Barreto.
Em 1863, Castro Alves publicou seu primeiro poema contra a escravidão, intitulado "A Primavera". Nesse mesmo ano conhece a atriz portuguesa Eugênia Câmara que se apresentava no Teatro Santa Isabel no Recife. Em 1864 ingressou na Faculdade de Direito do Recife, onde participou ativamente da vida estudantil e literária, mas voltou para a Bahia no mesmo ano e só retornou ao Recife em 1865, na companhia de Fagundes Varela, seu grande amigo.
Em 1866, Castro Alves iniciou um intenso caso de amor com Eugênia Câmara, dez anos mais velha que ele, e em 1867 partem para a Bahia, onde ela iria representar um drama em prosa, escrito por ele "O Gonzaga ou a Revolução de Minas". Em seguida Castro Alves partiu para o Rio de Janeiro onde conheceu Machado de Assis, que o ajuda a ingressar nos meios literários. Em seguida, foi para São Paulo e conclui o Curso de Direito na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco.
Em 1868 rompe com Eugênia. De férias, numa caçada nos bosques da Lapa fere o pé esquerdo, com um tiro de espingarda, resultando na amputação do pé. Em 1870 voltou para Salvador onde publicou "Espumas Flutuantes", único livro editado em vida.
Na sua poesia lírico-amorosa a mulher não aparece distante, sonhadora e intocada como nos outros românticos, mas uma mulher real e sedutora. Na poesia social, Castro Alves é sensível aos graves problemas de seu tempo. Seu poema abolicionista mais famoso, “O Navio Negreiro”, é um poema épico-dramático que faz parte da obra “Os escravos”, onde denuncia a crueldade da escravidão e faz uma recriação poética das cenas dramáticas do transporte de escravos no porão dos navios negreiros.
A linguagem usada por Castro Alves para defender seus ideais liberais é grandiosa, seu estilo é eloquente e faz uso acentuado de hipérboles e de espaços amplos como o mar, o céu, o infinito, o deserto etc. Apesar disso, é uma linguagem essencialmente romântica.
Antônio Frederico de Castro Alves morreu em Salvador, Bahia, no dia 6 de julho de 1871, vitimado pela tuberculose.

Poesias de Castro Alves

A Canção do Africano
A Cachoeira de Paulo Afonso
A Cruz da Estrada
Adormecida
Amar e Ser Amado
Amemos! Dama Negra
As Duas Flores
Espumas Flutuantes
Hinos do Equador
Minhas Saudades
O "Adeus" de Teresa
O Coração
O Laço de Fita
O Navio Negreiro
Ode ao Dois de Julho
Os Anjos da Meia Noite
Vozes d'África.

Trabalho

O poeta teve seu trabalho marcado pela temática do combate à escravidão, o que lhe deu o título de Poeta dos Escravos.
Seu primeiro trabalho foi publicado no dia 17 de maio de 1863, no primeiro número de “A Primavera”. Seu poema foi chamado “A canção do africano”.
O escritor padece de tuberculose no mesmo ano e, no subsequente, acontecem dois fatos marcantes em sua vida: seu irmão comete suicídio e ele consegue, enfim, entrar na Faculdade de Direito do Recife. Regressa à Bahia e somente no ano de 1865 volta para o Recife. Nesse ano, ao dia 10 de agosto, recitou “O Sábio” em sua faculdade e se conectou com uma moça chamada Idalina. Alistou-se como voluntário para a Guerra do Paraguai e no ano ulterior experimenta a morte de seu pai.
Fundou, ao segundo ano de faculdade, junto a Rui Barbosa e mais amigos, uma sociedade abolicionista. Sua fase de mais intensa produtividade na literatura se deu a partir desse momento, inspirado por suas grandes causas: a abolição da escravatura e a República com ideais liberais.
Ainda em 1866, Castro Alves viveu um intenso romance com Eugênia Câmara, mais velha, com quem, no ano seguinte, viaja para a Bahia, onde Eugênia encena um drama escrito por ele, conhecido como “O Gonzaga ou a Revolução de Minas”. Em seguida, no Rio de Janeiro, ele conhece Machado de Assis e se muda para São Paulo, onde inicia o terceiro ano da faculdade.
Dois anos depois, rompe seu relacionamento com Eugênia e, em férias, fere seu pé esquerdo em uma caçada com um tiro de espingarda, que acabou resultando em sua amputação. Em 1870 ele retorna a Salvador e publica “Espumas Flutuantes”.
Castro Alves faleceu um ano depois, ao dia 6 de julho de 1871, vítima da tuberculose em Salvador.
O LOUCO AMOR DE CASTRO ALVES
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Notas Biográficas


Deus! Oh Deus! Onde estás que não me respondes! /Em que mundo, em que estrela tu te escondes / Embuçado nos céus? / Há dois mil anos te mandei meu grito, / Que embalde, desde então, corre o infinito... / Onde estás, senhor Deus?

É verdade que "o sofrer" estava à espreita de todo poeta do romantismo; é verdade também que Castro Alves não fugiu a regra, pois em sua vida de poeta teve muitas dores, e, desde muito cedo, com as perdas irreparáveis da mãe, do irmão e logo depois do pai. Mas, Cecéu, como era conhecido, teve também seus momentos encantados, momentos de arrebatado amor, e o maior foi pela atriz portuguesa Eugênia Câmara, por quem se apaixonara.

Aos dezesseis anos quando foi mandado pelo pai para o Recife, a fim de completar os preparatórios para se habilitar à matrícula na Academia de Direito, mal sabia que estava prestes a encontrar o maior amor de sua vida. No Recife Cecéu passa a frequentar o Teatro Santa Isabel. O teatro era para ele o altar, o "vedado paraíso", que levava ao país do sonho. É nesse paraíso que ele conhece a atriz portuguesa Eugênia Câmara.

Eugênia Infante da Câmara chegou ao Brasil no dia 10 de outubro de 1859. Fora contratada pela direção do Teatro Dramático do Rio de Janeiro. No dia 29 de outubro, estreou no papel de Baronesa do Almourol na peça Abel e Caim, drama em três atos, original português de Antônio Mendes Leal. Castro Alves ficou fascinado pela atriz; no seu dizer, ela tinha a "beleza de uma Vênus grega" e o "gênio de Safo, ardente, mística". Era a inspiração, a Dama Negra, a mulher por quem largou os estudos. Mas, Eugênia é amante do ator e empresário, Furtado Coelho, com o qual tem uma filha pequena. O que não tira os avanços do Cecéu, adolescente sedutor:

“Eu possuía domínio cênico, entrava vestido de negro, com uma flor na lapela, óleo nos cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó de arroz no rosto, para parecer mais pálido. Por modéstia, não direi que frequentemente as moças ficavam tão próximas do delírio quanto os rapazes, da inveja.”

Não inibiu os avanços de Cecéu, mas até conquistá-la houve um longo período de indecisões e recuos, provocando um amor não confesso:


Meu Segredo (fragmento)

À Senhora D



Eu tenho dentro d'alma o meu segredo
Guardado como a pérola do mar;
Oculto ao mundo como a flor silvestre
Lá no vale escondida a vicejar.
Eu guardo-o no meu peito... É meu tesouro, 
Meu único tesouro desta vida.
- Sonho da fantasia - flor efêmera
Uma nuvem, talvez, no céu perdida...
Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia,
Que tresnoita cismando em tuas graças,
Que por ti, só por ti, é que vivia,
Que tremia ao roçar do teu vestido,
E que por ti de amor era perdido...
Sagra ao menos uma hora em tua vida
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,
Que em teus olhos, febril e delirante,
Bebeu de amor a inspiração primeira,
Mas que de um desengano teve medo,
E guardou dentro d'alma o seu segredo! (Recife, junho de 1863.)


Era um segredo, mas um segredo que aos poucos ele deixa transparecer. Este poema, em defesa do seu amor, foi escrito no dia seguinte de uma vaia que Eugênia sofreu no Teatro Santa Isabel:

A Atriz Eugênia Câmara
Hoje estamos unidos a adorar-te
Tu és a nossa glória, a nossa fé,
Gravitar para ti é levantar-se,
Cair-te às plantas é ficar de pé!...
Ontem a infâmia te cobria de lama
Mas pra insultar-te se cobriu de pó! ...
Miseráveis que ferem a fraqueza
De uma pobre mulher inerme, só!
Tu és tão grande como é grande o gênio
És tão brilhante como a própria luz,
Dentre os infames do calvário d'arte,
Tu foste o Cristo, foi o palco a cruz! ...

Embora comprometida e dez anos mais velha do que o poeta, a Dama Negra não se esquiva das investidas de Cecéu; e o romance desponta, cria força e, finalmente, ela deixa o amante com quem vivia, e junto com a filha passa a morar com Castro em um subúrbio de Recife. Tem início um louco e atribulado amor.

Castro sonhava ver Eugênia em cena, com o talento fulgurante, interpretando um texto dele. Para ela, então, escreve, em prosa, o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, sua única peça teatral, onde falava de liberdade, escravidão, traição, paixões... Como era de se esperar, para ela reservou o papel principal. Motivado, em fevereiro de 1867, Castro termina o “Gonzaga”. Todavia em maio deixa, de vez, o Recife, e viaja para a Bahia levando Eugênia e uma certeza: iriam conseguir encenar o texto em Salvador. Instalam-se a chácara Boa Vista semi-abandonada pela família; Cecéu voltava à casa de sua infância. Memórias, melancolia...

A Boa Vista (fragmento)

A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros;
A urtiga silvestre enrola em nós impuros
Uma estátua caída, em cuja mão nevada
A aranha estende ao sol a teia delicada.

Finalmente no dia sete de setembro, a verdadeira consagração. Finalmente, subiu à cena, no Teatro São João, o seu drama Gonzaga, no qual Eugênia desempenha o principal papel feminino e, no papel de Tomás Antônio Gonzaga, o esquecido Eliziário Pinto, ator e poeta. O drama foi representado mais três vezes.

Castro foi delirantemente aplaudido após a estréia. Era chamado à cena depois de cada ato, sob estrondosa ovação. Não satisfeita, a multidão carregou-o em triunfo, sobre os ombros, até sua casa. Era a glória, embora as senhoras da capital baiana condenassem à ligação do poeta com uma “atriz de má vida”.

Desde que chegara a Bahia, Cecéu interrompeu os estudos de direito. Decide, então, concluí-los na cidade de São Paulo. Em fins de março, Castro, Eugênia, sua filha Emília e uma criada, chegam a São Paulo, depois de uma rápida visita ao Rio de Janeiro.

Em São Paulo, tudo estaria perfeito, não fossem as constantes desavenças com Eugênia. A tuberculose minando sua vida. A Dama Negra correndo em busca de erotismo, de aventuras.
Sopravam-lhe histórias de adultério. Cenas violentas, ciúmes de Castro, brigas, mágoas, precárias reconciliações.

É noite ainda! Brilha na cambraia
- desmanchado o roupão, a espádua nua -
O globo do teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balança a lua...

Em setembro de 1868, Eugênia e Cecéu separam-se. Em Outubro Eugênia encontra-se com Castro, quando sobe ao palco do Teatro São José, em São Paulo, para, mais uma vez, interpretar o principal papel feminino do “Gonzaga”.

Voltou a reencontrar-se com Castro Alves no Rio de Janeiro, quando este vai ao Teatro Fênix Dramática, num sábado, 13 de novembro de 1869, assistir a um espetáculo de Eugênia. Os dois ainda têm uma conversa na Rua do Catete, onde ela residia.
Castro Alves ainda amava, de paixão, a sua “Dama Negra”. Confessa nos versos de seu poema “Adeus”. Era a declaração suprema. Quando Eugênia recebeu a poesia, leu e respondeu-lhe usando o mesmo título.


Adeus! (fragmentos)



Adeus! P'ra sempre adeus! A voz dos ventos
Chama por mim batendo contra as fragas.
Eu vou partir... em breve o oceano
Vai lançar entre nós milhões de vagas...
Que saudades que eu tenho do passado,
Da nossa mocidade ardente e amante!
Meu Deus! Eu dera o resto de existência
Por um momento assim... por um instante.
Eu — já não tenho mais vida!
Tu — já não tens mais amor!
Tu — só vives para os risos.
Eu — só vivo para a dor.
Quis te odiar, não pude. — Quis na terra
Encontrar outro amor. — Foi-me impossível.

Uma semana depois embarca para a Bahia. Doente, e aleijado, o poeta retorna a casa. Em seis de julho de 1871, às três e meia da tarde Castro Alves deixa este mundo de Deus, aos vinte e quatro anos.

Sinto que vou morrer! Posso, portanto,
A verdade dizer-te santa e nua,.
Não quero mais teu amor! Porém minh'alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.

Em novembro de 1873, Eugênia Câmara casou-se com o violinista, ator e regente da orquestra do Teatro Fênix Dramática, Antônio de Assis Osternold. No dia 28 de maio de 74, morre a Dama Negra, três anos após Castro Alves.

Poesias:
A cachoeira


Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas…
Titubantes — no álveo do rio —
Tremem as lapas dos titães coevas!…
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!…
Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra sucr’ruiúba o cheiro imundo…
Mas já tarde… silvando o monstro voa…
E o novilho preado os ares troa!
Então doido de dor, sânie babando,
Co’a serpente no dorso parte o touro…
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro…
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro…
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.
Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito —
Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!…
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito…
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!…
Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto…
Atropela-se, empina, espuma o bando…
E em massa rui no precipício aberto…
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto…
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas…
A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.
Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!…
Do sacerdote o punho e a roxa fronte…
E as serpentes de Tênedos em sanha!…
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!!!…

A canoa fantástica

Pelas sombras temerosas
Onde vai esta canoa?
Vai tripulada ou perdida?
Vai ao certo ou vai à toa?
Semelha um tronco gigante
De palmeira, que s’escoa…
No dorso da correnteza,
Como bóia esta canoa!…
Mas não branqueja-lhe a vela!
N’água o remo não ressoa!
Serão fantasmas que descem
Na solitária canoa?
Que vulto é este sombrio
Gelado, imóvel, na proa?
Dir-se-ia o gênio das sombras
Do inferno sobre a canoa!…
Foi visão? Pobre criança!
À luz, que dos astros coa,
É teu, Maria, o cadáver,
Que desce nesta canoa?
Caída, pálida, branca!…
Não há quem dela se doa?!…
Vão-lhe os cabelos a rastos
Pela esteira da canoa!…
E as flores róseas dos golfos,
— Pobres flores da lagoa,
Enrolam-se em seus cabelos
E vão seguindo a canoa!…

A Luís

A imaginação, com O VÔO ousado
aspira a princípio à eternidade…
Depois um pequeno espaço basta
em breve
para os destroços de nossas
esperanças iludidas!…
Goethe
Como um perfume de longínquas plagas
Traz o vento da pátria ao peregrino,
O meu amigo! que saudade infinda
Tu me trazes dos tempos de menino!
É o ledo enxame de sutis abelhas
Que vem lembrar à flor o mel
d’aurora…
Acres perfumes de uma idade
ardente
Quando o lábio sorri… mas
nunca chora!
Que tempos idos! que esperanças louras!
Que cismas de poesia e de futuro!
Nas páginas do triste Lamartine
Quanto sonho de amor pousava puro!…
E tu falavas de um amor celeste,
De um anjo, que depois se fez esposa…
— Moça, que troca os risos de criança
Pelo meigo cismar de mãe formosa.
Oh! meu amigo! neste doce instante
O vento do passado em mim suspira,
E minh’alma estremece de alegria,
Como ao beijo da noite geme a lira.
Tu paraste na tenda, ó peregrino!
Eu vou seguindo do deserto a trilha;
Pois bem… que a lira do poeta errante
Seja a bênção do lar e da família.

A Maciel Pinheiro

L’ieu soit en aide au pieux pèlerin.
Bouchard
Partes amigo do teu antro de águias,
Onde gerava um pensamento enorme,
Tingindo as asas no levante rubro,
Quando nos vales inda a sombra dorme…
Na fronte vasta, como um céu de idéias,
Aonde os astros surgem mais e mais…
Quiseste a luz das boreais auroras…
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Verás a terra da infeliz Moema,
Bem como a Vênus se elevar das vagas;
Das serenatas ao luar dormida,
Que o mar murmura nas douradas plagas.
Terra de glórias, de canções e brios,
Esparta, Atenas, que não tem rivais…
Que, à voz da pátria, deixa a lira e ruge…
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E quando o barco atravessar os mares,
Quais pandas asas, desfraldando a vela,
Há de surgir-t’esse gigante imenso,
Que sobre os morros campeando vela…
Símb’lo de pedra, que o cinzel dos raios
Talhou nos montes, que se alteiam mais…
Atlas com a forma do gigante povo…
Deus acompanhe o peregrino audaz.
Vai nas planícies dos infindos
pampas
Erguer a tenda do soldado vate…
Livre… bem livre a Marselhesa
aos ecos
Soltar bramindo no feroz combate…
E após do fumo das batalhas
tinto
Canta essa terra, canta os
seus gerais,
Onde os gaíchos sobre as éguas
voam…
Deus acompanhe o peregrino
audaz.
E nesse lago de poesia virgem,
Quando bolares nas sutis espumas,
Sacode estrofes, qual do rio a garça
Pérolas solta das brilhantes plumas.
Pálido moço-como o bardo errante—
Teu barco voa na amplidão fugaz.
A nova Grécia quer um Byron novo…
Deus acompanhe o peregrino audaz.
E eu, cujo peito como u’a harpa homérica
Ruge estridente do que é grande ao sopro,
Saúdo o artista, que ao talhar a glória,
Pega da espada, sem deixar o escopro.
Da caravana guarda a areia a pégada:
No chão da história o passo teu
Lerás… Deus, que o Mazeppa nos estepes guia…
Deus acompanhe o peregrino audaz.

A senzala

Qual o veado, que buscou o aprisco,
Balindo arisco, para a cerva corre…
ou como o pombo, que os arrulos solta,
Se ao ninho volta, quando a tarde morre…,
Assim, cantando a pastoril balada,
Já na esplanada o lenhador chegou.
Para a cabana da gentil Maria
Com que alegria a suspirar marchou!
Ei-la a casinha… tão pequena e bela!
Como é singela com seus brancos muros!
Que liso teto de sapé doirado!
Que ar engraçado! que perfumes puros!
Abre a janela para o campo verde,
Que além se perde pelos cerros nus…
A testa enfeita da infantil choupana
Verde liana de festões azuis.
É este o galho da rolinha brava,
Aonde a escrava seu viver abriga…
Canta a jandaia sobre a curva rama
E alegre chama sua dona amiga.
Aqui n’aurora, abandonando os ninhos,
Os passarinhos vêm pedir-lhe pão;
Pousam-lhe alegres nos cabelos bastos,
Nos seios castos, na pequena mão.
Eis o painel encantado,
Que eu quis pintar, mas não pude…
Lucas melhor o traçara
Na canção suave e rude…
Vede que olhar, que sorriso
S’expande no brônzeo rosto,
Vendo o lar do seu amor…
Ai! Da luz do Paraíso
Bate-lhe em cheio o fulgor.

A Tarde

Era a hora em que a tarde se debruça
Lá da crista das serras mais remotas…
E d’araponga o canto, que soluça,
Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s’embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas…
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalando.
Era a hora em que os cardos rumorejam
Como um abrir de bocas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas…
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas desposadas;
E a pedra… a flor… as selvas… os condores
Gaguejam… falam… cantam seus amores!
Hora meiga da Tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
… Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do oriente…
Quando é gota do banho cada estrela,
Que te rola da espádua refulgente…
E, — prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!…
Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!…
Mas não m’esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos
De amor do nenufar que enamoravas…
E as tranças mulheris da granadilha!…
E os abraços fogosos da baunilha!…
E te amei tanto — cheia de harmonias
A murmurar os cantos da serrana, —
A lustrar o broquel das serranias,
A doirar dos rendeiros a cabana…
E te amei tanto — à flor das águas frias —
Da lagoa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!…
Mas hoje, da procela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte…
… Para então, — do relâmpago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte, —
Contemplando o infinito…, na floresta
Rolar ao som da funeral orquestra!!!

A uma atriz

Branco cisne que vagavas
Das harmonias no mar,
Pomba errante de outros climas.
Vieste aos cerros pousar.
Inda bem. Sob os palmares
Na voz do condor, dos mares,
Das serranias, dos céus…
Sente o homem — que é poeta.
Sente o vate — que é profeta
Sente o profeta — que é Deus.
Há alguma cousa de grande
Deste mundo na amplidão,
Como que a face do Eterno
Palpita na criação…
E o homem que olha o deserto,
Diz consigo: ‘Deus ‘stá perto
Que a grandeza é o Criador”.
E, sob as paternas vistas,
Larga rédeas às conquistas
Pede as asas ao condor.
Inda bem. A glória é isto…
É ser tudo… é ser qual Deus…
Agitar as selvas d’alma
Ao sopro dos lábios teus…
Dizer ao peito — suspira!
Dizer à mente — delira!
A glória inda é mais:
É ver Homens, que tremem — se tremes!
Homens, que gemem — se gemes!
Que morrem-se vais morrer!
A glória é ter com o tridente
Refreada a multidão,
— Oceano de pensamentos
Que tu agitas cota mão!
— Montanha feita de idéias,
Que sustenta as epopéias
Que é do gênio pedestal!— Harpa imensa feita de almas,
Que rompe em hinos e palmas,
Ao teu toque divinal.
Mas esqueceste… Não basta
“Chegar, olhar e vencer”
Do gênio a maior grandeza
O ser divino é sofrer.
Diz!… Quando ouves a torrente
Do entusiasmo na enchente
Vir espumar-te lauréis;
Nest’hora grande não sentes
Longe os silvos das serpentes,
Que tentam morder-te os pés?
Inda é a glória — rainha
Que jamais caminha só.
Aí! Quem sobe ao Capitólio
Vai precedido de pó.
Porém tu zombas da inveja…
Se à noite o raio lampeja
Tu fazes dele um clarão!
Pela tormenta embalada
Ao som da orquestra arroubada
Vais-te perder n’amplidão.

A uma estrangeira

Lembrança de uma noite no mar
Sens-tu mon coeur, comme U palpite?
Le tien comme il battait gaiement!
Je m’en vais pourtant, ma petite,
Bien loin, bien vite, Toujours t’aimant.
(Chanson)
Inês! nas terras distantes,
Aonde vives talvez,
Inda lembram-te os instantes
Daquela noite divina?…
Estrangeira, peregrina,
Quem sabes?-Lembras-te, Inês?
Branda noite! A noite imensa
Não era um ninho?-Talvez!…
Do Atlântico a vaga extensa
Não era um berço? — Oh! Se o era…
Berço e ninho… ai, primavera!
O ninho, o berço de Inês.
Às vezes estremecias…
Era de febre? Talvez…
Eu pegava-te as mãos frias
P’ra aquentá-las em meus beijos…
Oh! palidez! Oh! desejos!
Oh! longos cílios de Inês.
Na proa os nautas cantavam;
Eram saudades?… Talvez!
Nossos beijos estalavam
Como estala a castanhola.:.
Lembras-te acaso, espanhola?
Acaso lembras-te, Inês?
Meus olhos nos teus morriam…
Seria vida?-Talvez!
E meus prantos te diziam:
“Tu levas minh’alma, ó filha,
Nas rendas desta mantilha…
Na tua mantilha, Inês!”
De Cadiz o aroma ainda
Tinhas no seio… — Talvez!
De Buenos Aires a linda,
Volvendo aos lares, trazia
As rosas de Andaluzia
Nas lisas faces de Inês!
E volvia a Americana
Do Plata às vagas… Talvez?
E a brisa amorosa, insana
Misturava os meus cabelos
Aos cachos escuros, belos,
Aos negros cachos de Inês!
As estrelas acordavam
Do fundo do mar… Talvez!
Na proa as ondas cantavam,
E a serenata divina
Tu, com a ponta da botina,
Marcavas no chão… Inês!
Não era cumplicidade
Do céu, dos mares? Talvez!
Dir-se-ia que a imensidade
— Conspiradora mimosa
Dizia à vaga amorosa:
“Segreda amores a Inês!”
E como um véu transparente,
Um véu de noiva… talvez,
Da lua o raio tremente
Te enchia de casto brilho…
E a rastos no tombadilho
Cala a teus pés… Inês!
E essa noite delirante
Pudeste esquecer?-Talvez…
Ou talvez que neste instante,
Lembrando-te inda saudosa
Suspires, moça formosa!…
Talvez te lembres… Inês!

A uma taça feita de um crânio humano

“Crime! Pois será crime se a jibóia
Morde silvando a planta, que a esmagara?
Pois será crime se o jaguar nos dentes
Quebra do índio a pérfida taquara?
“E nós que somos, pois? Homens? — Loucura!
Família, leis e Deus lhes coube em sorte.
A família no lar, a lei no mundo…
E os anjos do Senhor depois da morte.
“Três leitos, que sucedem-se macios,
Onde rolam na santa ociosidade…
O pai o embala… a lei o acaricia…
O padre lhe abre a porta à eternidade.
“Sim! Nós somos reptis… Qu’importa a espécie?
— A lesma é vil, — o cascavel é bravo.
E vens falar de crimes ao cativo?
Então não sabes o que é ser escravo!…
“Ser escravo — é nascer no alcoice escuro
Dos seios infamados da vendida…
— Filho da perdição no berço impuro
Sem leite para a boca ressequida…
“É mais tarde, nas sombras do futuro,
Não descobrir estrela foragida…
É ver — viajante morto de cansaço —
A terra — sem amor!… sem Deus — o espaço!
“Ser escravo — é, dos homens repelido,
Ser também repelido pela fera;
Sendo dos dois irmãos pasto querido,
Que o tigre come e o homem dilacera…
— É do lodo no lodo sacudido
Ver que aqui ou além nada o espera,
Que em cada leito novo há mancha nova…
No berço… após no toro… após na cova!…
“Crime! Quem falou, pobre Maria,
Desta palavra estúpida?… Descansa!
Foram eles talvez?!… É zombaria…
Escarnecem de ti, pobre criança!
Pois não vês que morremos todo dia,
Debaixo do chicote, que não cansa?
Enquanto do assassino a fronte calma
Não revela um remorso de sua alma?
“Não! Tudo isto é mentira! O que é verdade
É que os infames tudo me roubaram…
Esperança, trabalho, liberdade
Entreguei-lhes em vão… não se fartaram.
Quiseram mais… Fatal voracidade!
Nos dentes meu amor espedaçaram…
Maria! Última estrela de minh’alma!
O que é feito de ti, virgem sem palma?
“Pomba — em teu ninho as serpes te morderam.
Folha — rolaste no paul sombrio.
Palmeira — as ventanias te romperam.
Corça — afogaram-te as caudais do rio.
Pobre flor — no teu cálice beberam,
Deixando-o depois triste e vazio…
— E tu, irmã! e mãe! e amante minha!
Queres que eu guarde a faca na bainha!
“Ó minha mãe! ó mártir africana,
Que morreste de dor no cativeiro!
Ai! sem quebrar aquela jura insana,
Que jurei no teu leito derradeiro,
No sangue desta raça ímpia, tirana
Teu filho vai vingar um povo inteiro!…
Vamos, Maria! Cumpra-se o destino…
Dize! dize-me o nome do assassino!…”
“Virgem das Dores,
Vem dar-me alento,
Neste momento
De agro sofrer!
Para ocultar-lhe
Busquei a morte…
Mas vence a sorte,
Deve assim ser.
“Pois que seja! Debalde pedi-te,
Ai! debalde a teus pés me rojei…
Porém antes escuta esta história…
Depois dela… O seu nome direi!”

A Meu Irmão Guilherme de Castro Alves

Na cordilheira altíssima dos Andes
Os Chimbolazos solitários,
grandes
Ardem naquelas hibernais regiões.
Ruge embalde c fumega a solfatera…
É dos lábios sangrentos da
cratera
Que a avalanche vacila aos
furacões.
A escória rubra com os celeiros brancos
Misturados resvalam pelo flancos
Dos ombros friorentos do vulcão…
Assim, Poeta, é tua vida imensa,
Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença…
E são lavas lá dentro o coração.

A volta da primavera

Aime et tu renaítras fais-toi fleur pour éclore,
Après avoir soufferi, il faul souffrir encore;
Il faut aimer sans cesse après avoir aimé.
A. DE MUSSET
AI! Não maldigas minha fronte pálida,
E o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros — na caveira esquálida
E a sepultura se reveste em flores.
Bem sei que um dia o vendaval da sorte
Do mar lançou-me na gelada areia.
Serei… que importa? o D. Juan da morte
Dá-me o teu seio-e tu serás Haidéia!
Pousa esta mão-nos meus cabelos úmidos!…
Ensina à brisa ondulações suaves!
Dá-me um abrigo dos teus seios túmidos!
Fala!… que eu ouço o pipilar das aves!
Já viste às vezes, quando o sol de maio
Inunda o vale, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: “Que suave raio!”
Responde o ramo: “Como a luz é meiga!”
E, ao doce influxo do clarão do dia,
O junco exausto, que cedera à enchente,
Levanta a fronte da lagoa fria…
Mergulha a fronte na lagoa ardente…
Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago do celeste amante,
Diz!… Quando em fogo o teu olhar transborda,
Não vês minh’alma reviver ovante?
É que teu riso me penetra n’alma
— Como a harmonia de uma orquestra santa
— É que teu riso tanta dor acalma…
Tanta descrença!… Tanta angústia!… Tanta!
Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
“O céu consola toda dor que existe.
Deus fez a neve — para o negro monte!
Deus fez a virgem — para o bardo triste!”

Adeus

— Adeus — Ai criança ingrata!
Pois tu me disseste — adeus —?
Loucura! melhor seria
Separar a terra e os céus.
— Adeus — palavra sombria!
De uma alma gelada e fria
És a derradeira flor.
— Adeus! — miséria! mentira
De um seio que não suspira,
De um coração sem amor.
Ai, Senhor! A rola agreste
Morre se o par lhe faltou.
O raio que abrasa o cedro
A parasita abrasou.
O astro namora o orvalho:
— Um é a estrela do galho,
— Outro o orvalho da amplidão.
Mas, à luz do sol nascente,
Morre a estrela — no poente!
O orvalho — morre no chão!
Nunca as neblinas do vale
Souberam dizer-se — adeus —
Se unidas partem da terra,
Perdem-se unidas nos céus.
A onda expira na plaga…
Porém vem logo outra vaga
P’ra morrer da mesma dor…
— Adeus — palavra sombria!
Não digas — adeus —, Maria!
Ou não me fales de amor!

Adormecida

Ses longs cheveux épars la couvrent tout entière
La croix de son collier repose dans sa main,
Comme pour témaigner qu’elle a fait sa prière.
Et qu’elle va la faire en s’éveiliant demain.
A. DE MUSSET
Uma noite eu me lembro… Ela dormia
Numa rede encostada molemente…
Quase aberto o roupão… solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina…
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!… A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia…
Quando ela serenava… a flor beijava-a…
Quando ela ia beijar-lhe… a flor fugia…
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças…
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava, ora afastava-se…
Mas quando a via despeitada a meio,
P’ra não zangá-la… sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio…
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! — tu és a virgem das campinas!
“Virgem! tu és a flor da minha vida!…”
São Paulo, Novembro de 1868

Ahasverus e o gênio

Ao poeta e amigo J. Felizardo Júnior
Sabes quem foi Ahasverus?… — o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!
Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Co’a mão vazia-viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe — o grão de areia.
A gota d’água — rejeitou-lhe o mar.
D’Asia as florestas-lhe negaram sombra
A savana sem fim-negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!…
Tabas, serralhos, tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!…
E caminhou!… E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra…
Ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —
No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre”, a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
— “Ai! mas nunca vivi!” —
O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…
Pede u’a mão de amigo-dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor— e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: — “Ele não morre”
Responde o desgraçado:-“Eu não vivi!…”

Amante

“Basta, criança! Não soluces tanto…
Enxuga os olhos, meu amor, enxuga!
Que culpa tem a clícia descaída
Se abelha envenenada o mel lhe suga?
“Basta! Esta faca já contou mil gotas
De lágrimas de dor nos teus olhares.
Sorri, Maria! Ela jurou pagar-tas
No sangue dele em gotas aos milhares.
“Por que volves os olhos desvairados?
Por que tremes assim, frágil criança?
Est’alma é como o braço, o braço é ferro,
E o ferro sabe o trilho da vingança.
“Se a justiça da terra te abandona,
Se a justiça do céu de ti se esquece,
A justiça do escravo está na força…
E quem tem um punhal nada carece!…
“Vamos! Acaba a história… Lança a presa…
Não vês meu coração, que sente fome?
Amanhã chorarás; mas de alegria!
Hoje é preciso me dizer — seu nome!”

Anjo

“Ai! Que vale a vingança, pobre amigo,
Se na vingança a honra não se lava?…
O sangue é rubro, a virgindade é branca —
O sangue aumenta da vergonha a bava.
“Se nós fomos somente desgraçados,
Para que miseráveis nos fazermos?
Desportados da terra assim perdemos
De além da campa as regiões sem termos…
“Ai! não manches no crime a tua vida,
Meu irmão, meu amigo, meu esposo!…
Seria negro o amor de uma perdida
Nos braços a sorrir de um criminoso!…”

Ao ator Joaquim Augusto

Um dia Pigmalião — o estatuário
Da oficina no tosco santuário
Pôs-se a pedra a talhar…
Surgem contornos lânguidos, amenos…
E dos flocos de mármore outra Vênus
Surge dest’outro mar.
De orgulho o mestre ri… A estátua é bela!
Da Grécia as filhas por inveja dela
Vão nas grutas gemer…
Mas o artista soluça: “O Grande Jove!
“Ela é bela … bem sei— mas não se move!
“E sombra-e não mulher!”
Então do excelso Olimpo o deus-tonante
Manda que desça um raio fulgurante
À tenda do escultor.
Vive a estátua! Nos olhos — treme o pejo,
Vive a estátua!… Na boca-treme um beijo,
Nos seios — treme amor.
O poeta é — o moderno estatuário
Que na vigília cria solitário
Visões de seio nu!
O mármore da Grécia — é o novo drama!
Mas o raio vital quem lá derrama?…
É Júpiter!… És tu!…
Como Gluck nas selvas aprendia
Ao som do violoncelo a melodia
Da santa inspiração,
Assim bebes atento a voz obscura
Do vento das paixões na selva escura
Chamada — multidão.
Gargalhadas, suspiros, beijos, gritos,
Cantos de amor, blasfêmias de precitos
Choro ou reza infantil,
Tudo colhes… e voltas cotas mãos cheias,
—O crânio largo a transbordar de idéias
Chamada — multidão.
Gargalhadas, suspiros, beijos, gritos,
Cantos de amor, blasfêmias de precitos
Choro ou reza infantil,
Tudo colhes… e voltas cotas mãos cheias,
—O crânio largo a transbordar de idéias
Como Fausto o sonhou!
Glória ao Mestre! Passando por seus dedos
Dói mais a dor… os risos são mais ledos…
O amor é mais do céu…
Rebenta o ouro desta fronte acesa!
O artista corrigiu a natureza! O alquimista venceu!
Então surges, Ator! e do proscênio
Atiras as moedas do teu gênio
As pasmas multidões.
Pródigo enorme! a tua enorme esmola
Cunhada pela efígie tua rola
Nos nossos corações.
Por isso agora, no teu almo dia,
Vieram dando as mãos a Poesia
E o povo, bem o vês;
Como nos tempos dessa Roma antiga
Aos pos desse outro Augusto a plebe amiga
Atirava lauréis…
Augusto! E o nome teu não se desmente…
O diadema real na vasta frente
Cinges… eu bem o sei!
Mandas no povo deste novo Lácio…
E os poetas repetem como Horácio:
“Salve! Augusto! Rei!”

Ao dia Sete de Setembro

Mancebos, que sois a esperança
Do majestoso Brasil;
Mancebos, que inda tão tenros
Sabeis de louro gentil
Adornar o pátrio dia,
Nosso dia senhoril!
Eis que assomou sobre os montes
Além, sobre a antiga serra,
Entre mil nuvens de rosa,
O dia de nossa terra;
Aquele que para a Pátria
Milhões de glórias encerra.
Foi hoje que o Lusitano,
Que o filho de além do mar,
Despertou com forte brado
A Pátria que era a sonhar,
Que nem sequer escutava
A liberdade a expirar.
E o brado: — “Livres ou mortos”
Lá nos bosques retumbou;
E mais contente o Ipiranga
As suas águas rolou;
E o eco d’alta montanha
Todo o Brasil ecoou.
E as montanhas lá do Sul,
E as montanhas lá do Norte,
Repetiram em seus cumes:
Sempre ser livres ou morte…
E lá na luta renhida
Cada qual luta mais forte.
Sim, nos combates que, ousados,
Travaram cem contra mil,
O mancebo que nascera
Sob este azul céu de anil,
Forte como um Bonaparte,
Batia o forte fuzil.
E cada qual no combate
Ao ribombar do canhão
Queria à custa da vida
Dar à Pátria salvação,
Vingar a terra natal
D’aviltante servidão.
Eia, pois, flores da Pátria,
Esp’rançosa mocidade!
Que os Andradas e os Machados
Do alto da Eternidade
Contentes vos abençoam
No dia da Liberdade.
Bahia, Ginásio Baiano, 7 de setembro de 1861.

Ao dous de julho

É a hora das epopéias,
Das Ilíadas reais.
Ruge o vento-do passado
Pelos mares sepulcrais.
É a hora, em que a Eternidade
Dialoga a Imortalidade…
Fala o herói com Jeová!…
E Deus — nas celestes plagas

olhe da glória nas vagas
Os mortos de Pirajá.
Há destes dias augustos
Na tumba dos Briaréus.
Como que Deus baixa à terra
Sem mesmo descer dos céus.
É que essas lousas rasteiras
São — gigantes cordilheiras
Do Senhor aos olhos nus.
É que essas brancas ossadas
São-colunas arrojadas
Dos infinitos azuis.
Sim! Quando o tempo entre os dedos
Quebra um séc’lo, uma nação…
Encontra nomes tão grandes,
Que não lhe cabem na mão!…
Heróis! Como o cedro augusto
Campeia rijo e vetusto
Dos séc’los ao perpassar,
Vós sois os cedros da História,
A cuja sombra de glória
Vai-se o Brasil abrigar.
E nós, que somos faíscas
Da luz desses arrebóis,
Nós, que somos borboletas
— Das crisálidas de avós,
Nós, que entre as bagas dos cantos,
Por entre as gotas dos prantos
Inda os sabemos chorar,
Podemos dizer: “Das campas
Sacudi as frias tampas!
Vinde a Pátria abençoar!…”
Erguei-vos, santos fantasmas!
Vós não tendes que corar…
(Porque eu sei que o filho torpe
Faz o morto soluçar… )
Gemem as sombras dos Gracos,
Dos Catões, dos Espartacos
Vendo seus filhos tão vis…
Dize-o tu, soberbo Mário!
Tu, que ensopas o sudário
Vendo Roma-meretriz!…
Ai! Que lágrimas candentes
Choram órbitas sem luz! —
Que idéia terá Leônidas
Vendo Esparta nos pauis?!…
Alta noite, quando pena
Sobre Árcole, sobre Iena,
Bonaparte-o rei dos reis—
Que dor d’alma lhe rebenta.
Ao ver su’águia sangrenta
No sabre de Juarez!?…
Porém aqui não há grito,
Nem pranto, nem ai, nem dor…
O presente não desmente
Do seu ninho de condor…
Mãos, que, outrora de crianças
A rir— dentaram as lanças
Dos velhos de Pirajá….
De homens hoje, as empunhando,
Nas batalhas afiando,
Vão caminho de Humaitá!…
Basta!… Curvai-vos, ó povo!…
Ei-los os vultos sem par,
Só de joelhos podemos
Nest’hora augusta fitar
Riachuelo e Cabrito,
Que sobem para o infinito
Como jungidos leões,
Puxando os carros dourados
Dos meteoros largados
Sobre a noite das nações.

As duas ilhas

Quando à noite — às horas mortas —
O silêncio e a solidão
— Sob o dossel do infinito —
Dormem do mar n’amplidão,
Vê-se, por cima dos mares,
Rasgando o teto dos ares
Dois gigantescos perfis…
Olhando por sobre as vagas,
Atentos, longínquas plagas
Ao clarear dos fuzis.
Quem os vê, olha espantado
E a sós murmura: “O que é?
Ai! que atalaias gigantes,
São essas além de pé?!…”
Adamastor de granito
Co’a testa roça o infinito
E a barba molha no mar;
E de pedra a cabeleira
Sacudind’a onda ligeira
Faz de medo recuar…
São-dons marcos miliários,
Que Deus nas ondas plantou.
Dons rochedos, onde o mundo
Dous Prometous amarrou!…
— Acolá… (Não tenhas medo!…)
E Santa Helena — o rochedo
Desse Titã, que foi rei!…
—Ali… (Não feches os olhos!…)
Ali… aqueles abrolhos
São a ilha de Jersey!…
São eles-os dous gigantes
No século de pigmeus.
São eles — que a majestade
Arrancam da mão de Deus.
—Este concentra na fronte
Mais astros-que o horizonte,
Mais luz — do que o sol lançou!…
— Aquele-na destra alçada
Traz segura sua espada
— Cometa, que ao céu roubou!…
E olham os velhos rochedos
O Sena, que dorme além…
E a França, que entre a caligem
Dorme em sudário também…
E o mar pergunta espantado:
“Foi deveras desterrado
Buonaparte — meu irmão?…”
Diz o céu astros chorando:
“E Hugo?… ” E o mundo pasmando
Diz: “Hugo… Napoleão!… ”
Como vasta reticência
Se estende o silêncio após…
Es muito pequena, ó França,
P’ra conter estes heróis…
Sim! que estes vultos augustos
Para o leito de Procustos
Muito grandes Deus traçou…
Basta os reis tremam de medo
Se a sombra de algum rochedo
Sobre eles se projetou!…
Dizem que, quando, alta noite,
Dorme a terra-e vela Deus,
As duas ilhas conversam
Sem temor perante os céus.
— Jersey curva sobre os mares
À Santa Helena os pensares
Segreda do velho Hugo…
— E Santa Helena no entanto
No Salgueiro enxuga o pranto
E conta o que Ele falou…
E olhando o presente infame
Clamam: “Da turba vulgar
Nós — infinitos de pedra —
Nós havemo-los vingar! ..”
E do mar sobre as escumas,
E do céu por sobre as brumas,
Um ao outro dando a mão…
Encaram a imensidade
Bradando: “A Posteridade!…”
Deus ri-se e diz: “Inda não!…”

Aves da arribação

Pensava em ti nas horas de tristeza,
Quando estes versos pálidos compus
Cercavam-me planícies sem beleza
Pesava-me na fronte um céu sem luz.
Ergue este ramo solto no caminho.
Sei que em teu seio asilo encontrará.
Só tu conheces o secreto espinho
Que dentro d’alma me pungindo está.
FAGUNDES VARELA
Aves, é primavera! à rosa!
à rosa!
TOMÁS RIBEIRO
I
Era o tempo em que as ágeis andorinhas
Consultam-se na beira dos telhados,
E inquietas conversam, perscrutando
Os pardos horizontes carregados…
Em que as rolas e os verdes periquitos
Do fundo do sertão descem cantando…
Em que a tribo das aves peregrinas
Os Zíngaros do céu formam-se em bando!
Viajar! viajar! A brisa morna
Traz de outro clima os cheiros provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os amantes!…
IIU
m dia Eles chegaram. Sobre a estrada
Abriram à tardinha as persianas;
E mais festiva a habitação sorria
Sob os festões das trêmulas lianas.
Quem eram? Donde vinham? — Pouco importa
Quem fossem da casinha os —
São noivos — : as mulheres murmuravam!
E os pássaros diziam: — São amantes — !
Eram vozes-que uniam-se cotas brisas!
Eram risos-que abriam-se cotas flores!
Eram mais dois clarões — na primavera!
Na festa universal-mais dous amores!
Astros! Falai daqueles olhos brandos.
Trepadeiras! Falai-lhe dos cabelos!
Ninhos d’aves! dizei, naquele seio,
Como era doce um pipilar d’anelos.
Sei que ali se ocultava a mocidade…
Que o idílio cantava noite e dia…
E a casa branca à beira do caminho
Era o asilo do amor e da poesia.
Quando a noite enrolava os descampados,
O monte, a selva, a choça do serrano,
Ouviam-se, alongando à paz dos ermos,
Os sons doces, plangentes de um piano.
Depois suave, plena, harmoniosa
Uma voz de mulher se alevantava…
E o pássaro inclinava-se das ramas
E a estrela do infinito se inclinava.
E a voz cantava o tremolo medroso
De uma ideal sentida barcarola…
Ou nos ombros da noite desfolhava
As notas petulantes da Espanhola!
III
As vezes, quando o sol nas matas virgens
A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida ensanguentava
Os píncaros da longa serrania,
Um grupo destacava-se amoroso,
Tendo por tela a opala do infinito,
Dupla estátua do amor e mocidade
Num pedestal de musgos e granito.
E embaixo o vale a descantar saudoso
Na cantiga das moças lavadeiras!…
E o riacho a sonhar nas canas bravas.
E o vento a s’embalar nas trepadeiras.
O crepúsculos mortos! Voz dos ermos!
Montes azuis! Sussurros da floresta!
Quando mais vós tereis tantos afetos
Vicejando convosco em vossa festa?…
E o sol poente inda lançava um raio
Do caçador na longa carabina…
E sobre a fronte d’Ela por diadema
Nascia ao longe a estrela vespertina.
IV
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta…
Além, sob as cortinas transparentes
Ela dorme… formosa Julieta!
Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente —
Flor que abrira das noites aos relentos.
O Poeta trabalha!… A fronte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza…
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa — o amor e a natureza!
E como o cáctus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.
No entanto Ela desperta… num sorriso
Ensaia um beijo que perfuma a brisa…
… A Casta-diva apaga-se nos montes…
Luar de amor! acorda-te, Adalgisa!
V
Hoje a casinha já não abre à tarde
Sobre a estrada as alegres persianas.
Os ninhos desabaram… no abandono
Murcharam-se as grinaldas de lianas.
Que é feito do viver daqueles tempos?
Onde estão da casinha os habitantes?
… A Primavera, que arrebata as asas…
Levou-lhe os passarinhos e os amantes!…

Boa-noite

Veux-tu donc partir? Le jour est encore éloigné
C’était le rossignol et non pas l’aloustte
Dont le chant a frappé ton oreille inquiete;
Il chante la nuit sur les branches de ce grenadier,
Crois-moi, cher ami, c’était le rossignol.
SHAKESPEARE
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde… é tarde…
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!… E tu dizes — Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos…
Mas não mo digas descobrindo o peito
— Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve… a calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?… pois foi mentira…
… Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se à estrela-d’alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d’alvorada:
“É noite ainda em teu cabelo preto…”
E noite ainda! Brilha na cambraia
— Desmanchado o roupão, a espádua nua —
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua…
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas…
— São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos…
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora…
Marion! Marion!… É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!…
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo…
E deixa-me dormir balbuciando:
— Boa-noite!, formosa Consuelo!…

Cachoeira de Paulo Afonso

A Tarde

Era a hora em que a tarde se debruça
Lá da crista das serras mais remotas…
E d’araponga o canto, que soluça,
Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s’embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas…
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalando.
Era a hora em que os cardos rumorejam
Como um abrir de bocas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas…
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas desposadas;
E a pedra… a flor… as selvas… os condores
Gaguejam… falam… cantam seus amores!
Hora meiga da Tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
… Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do oriente…
Quando é gota do banho cada estrela,
Que te rola da espádua refulgente…
E, — prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!…
Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante, É que agora os martírios foram
tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!…
Mas não m’esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos
De amor do nenufar que enamoravas…
E as tranças mulheris da granadilha!…
E os abraços fogosos da baunilha!…
E te amei tanto — cheia de harmonias
A murmurar os cantos da serrana, —
A lustrar o broquel das serranias,
A doirar dos rendeiros a cabana…
E te amei tanto — à flor das águas frias —
Da lagoa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!…
Mas hoje, da procela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte…
… Para então, — do relâmpago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte, —
Contemplando o infinito…, na floresta
Rolar ao som da funeral orquestra!!!

MARIA

Onde vais à tardezinha,
Mucama tão bonitinha,
Morena flor do sertão?
A grama um beijo te furta
Por baixo da saia curta,
Que a perna te esconde em vão…
Mimosa flor das escravas!
O bando das rolas bravas
Voou com medo de ti!…
Levas hoje algum segredo…
Pois te voltaste com medo
Ao grito do bem-te-vi!
Serão amores deveras?
Ah! Quem dessas primaveras
Pudesse a flor apanhar!
E contigo, ao tom d’aragem,
Sonhar na rede selvagem… À sombra do azul palmar!
Bem feliz quem na viola
Te ouvisse a moda espanhola
Da lua ao frouxo clarão…
Com a luz dos astros — por círios,
Por leito — um leito de lírios…
E por tenda — a solidão!

O BAILE NA FLOR

Que belas as margens do rio possante,
Que ao largo espumante campeia sem par!…
Ali das bromélias nas flores doiradas
Há silfos e fadas, que fazem seu lar…
E, em lindos cardumes,
Sutis vaga-lumes
Acendem os lumes
P’ra o baile na flor.
E então — nas arcadas
Das pet’las doiradas,
Os grilos em festa
Começam na orquesta
Febris a tocar…
E as breves
Falenas
Vão leves,
Serenas,
Em bando
Girando,
Valsando,
Voando
No ar!…

NA MARGEM

“Vamos! Vamos! Aqui por entre os juncos
Ei-la a canoa em que eu pequena outrora
Voava nas maretas… Quando o vento,
Abrindo o peito à camisinha úmida,
Pela testa enrolava-me os cabelos,
Ela voava qual marreca brava
No dorso crespo da feral enchente!
Voga, minha canoa! Voga ao largo!
Deixa a praia, onde a vaga morde os juncos
Como na mata os caititus bravios…
Filha das ondas! andorinha arisca!
Tu, que outrora levavas minha infância — Pulando alegre no espumante
dorso
Dos cães-marinhos a morder-te a proa, —
Leva-me agora a mocidade triste
Pelos ermos do rio ao longe… ao longe…”
Assim dizia a Escrava…
Iam caindo
Dos dedos do crepúsc’lo os véus de sombra,
Com que a terra se vela como noiva
Para o doce himeneu das noites límpidas…
Lá no meio do rio, que cintila,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa.
Parecia, assim vista ao sol poente,
Esses ninhos, que tombam sobre o rio,
E onde em meio das flores vão chilrando — Alegres sobre o abismo
— os passarinhos!…
. . . . . . . . . . .
Tu — guardas algum segredo?…
Maria, ’stás a chorar!
Onde vais? Por que assim foges,
Rio abaixo a deslizar?
Pedra — não tens o teu musgo?
Não tens um favônio — flor?
Estrela — não tens um lago?
Mulher — não tens um amor?

A QUEIMADA

Meu nobre perdigueiro! vem comigo.
Vamos a sós, meu corajoso amigo,
Pelos ermos vagar!
Vamos já dos gerais, que o vento açoita,
Dos verdes capinais n’agreste moita
A perdiz levantar!…
Mas não!… Pousa a cabeça em meus joelhos…
Aqui, meu cão!… Já de listrões vermelhos
O céu se iluminou.
Eis súbito da barra do ocidente,
Doudo, rubro, veloz, incandescente,
O incêndio que acordou!
A floresta rugindo as comas curva…
As asas foscas o gavião recurva,
Espantado a gritar.
O estampido estupendo das queimadas
Se enrola de quebradas em quebradas,
Galopando no ar.
E a chama lavra qual jibóia informe,
Que, no espaço vibrando a cauda enorme,
Ferra os dentes no chão…
Nas rubras roscas estortega as matas…,
Que espadanam o sangue das cascatas
Do roto coração!…
O incêndio — leão ruivo, ensangüentado,
A juba, a crina atira desgrenhado
Aos pampeiros dos céus!…
Travou-se o pugilato… e o cedro tomba…
Queimado…, retorcendo na hecatomba
Os braços para Deus.
A queimada! A queimada é uma fornalha!
A irara — pula; o cascavel — chocalha…
Raiva, espuma o tapir!
… E às vezes sobre o cume de um rochedo
A corça e o tigre — náufragos do medo —
Vão trêmulos se unir!
Então passa-se ali um drama augusto…
N’último ramo do pau-d’arco adusto
O jaguar se abrigou…
Mas rubro é o céu… Recresce o fogo em mares…
E após… tombam as selvas seculares…
E tudo se acabou!..

LUCAS

Quem fosse naquela hora,
Sobre algum tronco lascado
Sentar-se no descampado
Da solitária ladeira,
Veria descer da serra,
Onde o incêndio vai sangrento,
A passo tardio e lento,
Um belo escravo da terra
Cheio de viço e valor…
Era o filho das florestas!
Era o escravo lenhador!
Que bela testa espaçosa,
Que olhar franco e triunfante!
E sob o chapéu de couro
Que cabeleira abundante!
De marchetada jibóia
Pende-lhe a rasto o facão…
E assim… erguendo o machado
Na larga e robusta mão…
Aquele vulto soberbo, — Vivamente alumiado, —
Atravessa o descampado
Como uma estátua de bronze
Do incêndio ao fulvo clarão.
Desceu a encosta do monte,
Tomou do rio o caminho…
E foi cantando baixinho
Como quem canta p’ra si.
Era uma dessas cantigas
Que ele um dia improvisara,
Quando junto da coivara
Faz-se o Escravo — trovador.
Era um canto languoroso,
Selvagem, belo, vivace,
Como o caniço que nasce
Sob os raios do Equador.
Eu gosto dessas cantigas,
Que me vem lembrar a infância,
São minhas velhas amigas,
Por elas morro de amor…
Deixai ouvir a toada
Do — cativo lenhador —
E o sertanejo assim solta a tirana,
Descendo lento p’ra a servil cabana…

TIRANA

“Minha Maria é bonita,
Tão bonita assim não há;
O beija-flor quando passa
Julga ver o manacá.
“Minha Maria é morena,
Como as tardes de verão;
Tem as tranças da palmeira
Quando sopra a viração.
“Companheiros! o meu peito
Era um ninho sem senhor;
Hoje tem um passarinho
P’ra cantar o seu amor.
“Trovadores da floresta!
Não digam a ninguém, não!…
Que Maria é a baunilha
Que me prende o coração.
“Quando eu morrer só me enterrem
Junto às palmeiras do val,
Para eu pensar que é Maria
Que geme no taquaral…”

A SENZALA

Qual o veado, que buscou o aprisco,
Balindo arisco, para a cerva corre…
ou como o pombo, que os arrulos solta,
Se ao ninho volta, quando a tarde morre…,
Assim, cantando a pastoril balada,
Já na esplanada o lenhador chegou.
Para a cabana da gentil Maria
Com que alegria a suspirar marchou!
Ei-la a casinha… tão pequena e bela!
Como é singela com seus brancos muros!
Que liso teto de sapé doirado!
Que ar engraçado! que perfumes puros!
Abre a janela para o campo verde,
Que além se perde pelos cerros nus…
A testa enfeita da infantil choupana
Verde liana de festões azuis. É este o galho da rolinha brava,
Aonde a escrava seu viver abriga…
Canta a jandaia sobre a curva rama
E alegre chama sua dona amiga.
Aqui n’aurora, abandonando os ninhos,
Os passarinhos vêm pedir-lhe pão;
Pousam-lhe alegres nos cabelos bastos,
Nos seios castos, na pequena mão.
Eis o painel encantado,
Que eu quis pintar, mas não pude…
Lucas melhor o traçara
Na canção suave e rude…
Vede que olhar, que sorriso
S’expande no brônzeo rosto,
Vendo o lar do seu amor…
Ai! Da luz do Paraíso
Bate-lhe em cheio o fulgor.

DIÁLOGO DOS ECOS

E chegou-se p’ra a vivenda
Risonho, calmo, feliz…
Escutou… mas só ao longe
Cantavam as juritis…
Murmurou: “Vou surpr’endê-la!”
E a porta ao toque cedeu…
“Talvez agora sonhando
Diz meu nome o lábio seu,
Que a dormir nada prevê…”
E o eco responde: — Vê!…
“Como a casa está tão triste
Que aperto no coração!…
Maria!… Ninguém responde!
Maria, não ouves, não?…
Aqui vejo uma saudade
Nos braços de sua cruz…
Que querem dizer tais prantos,
Que rolam tantos, tantos,
Sobre as faces da saudade
Sobre os braços de Jesus?…
Oh! quem me empresta uma luz?…
Quem me arranca a ansiedade,
Que no meu peito nasceu?
Quem deste negro mistério
Me rasga o sombrio véu?…”
E o eco responde: — Eu!…
E chegou-se para o leito
Da casta flor do sertão…
Apertou co’a mão convulsa
O punhal e o coração!… ‘Stava inda tépido o ninho
Cheio de aromas suaves…
E — como a pena, que as aves
Deixam no musgo ao voar, —
Um anel de seus cabelos
Jazia cortado a esmo
Como relíquia no altar!…
Talvez prendendo nos elos
Mil suspiros, mil anelos,
Mil soluços, mil desvelos,
Que ela deu-lhes p’ra guardar!…
E o pranto em baga a rolar…
“Onde a pomba foi perder-se?
Que céu minha estrela encerra?
Maria, pobre criança,
Que fazes tu sobre a terra?”
E o eco responde: — Erra!
“Partiste! Nem te lembraste
Deste martírio sem fim!…
Não! perdoa… tu choraste
E os prantos, que derramaste
Foram vertidos por mim…
Houve pois um braço estranho
Robusto, feroz, tamanho,
Que pôde esmagar-te assim?…”
E o eco responde: — Sim!
E rugiu: “Vingança! guerra!
Pela flor, que me deixaste,
Pela cruz em que rezaste,
E que teus prantos encerra!
Eu juro guerra de morte
A quem feriu desta sorte
O anjo puro da terra…
Vê como este braço é forte!
Vê como é rijo este ferro!
Meu golpe é certo… não erro.
Onde há sangue, sangue escorre!…
Vilão! Deste ferro e braço,
Nem a terra, nem o espaço,
Nem mesmo Deus te socorre!!…”
E o eco responde: — Corre !
Como o cão ele em torno o ar aspira,
Depois se orientou.
Fareja as ervas… descobriu a pista
E rápido marchou.
No entanto sobre as águas, que cintilam,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa;
Parecia assim vista — ao sol poente —
Esses ninhos, que o vento lança às águas,
E que na enchente vão boiando à toa!…

O NADADOR

Ei-lo que ao rio arroja-se.
As vagas bipartiram-se;
Mas rijas contraíram-se
Por sobre o nadador…
Depois s’entreabre lúgubre
Um círculo simbólico… É o riso diabólico
Do pego zombador!
Mas não! Do abismo — indômito
Surge-me um rosto pálido,
Como o Netuno esquálido,
Que amaina a crina ao mar;
Fita o batel longínquo
Na sombra do crepúsculo…
Rasga com férreo músculo
O rio par a par.
Vagas! Dalilas pérfidas!
Moças, que abris um túmulo,
Quando do amor no cúmulo
Fingis nos abraçar!
O nadador intrépido
Vos toca as tetas cérulas…
E após — zombando — as pérolas
Vos quebra do colar.
Vagas! Curvai-vos tímidas!
Abri fileiras pávidas Às mãos possantes, ávidas
Do nadador audaz!…
Belo, de força olímpica — Soltos cabelos úmidos

Braços hercúleos, túmidos… É o rei dos vendavais!
Mas ai! Lá ruge próxima
A correnteza hórrida,
Como da zona tórrida
A boicininga a urrar… É lá que o rio indômito,
Como o corcel da Ucrânia,
Rincha a saltar de insânia,
Freme e se atira ao mar.
Tremeste? Não! Qu’importa-te
Da correnteza o estrídulo?
Se ao longe vês teu ídolo,
Ao longe irás também…
Salta à garupa úmida
Deste corcel titânico…
— Novo Mazeppa oceânico —
Além! além! além!..

NO BARCO

— Lucas! — Maria! murmuraram juntos…
E a moça em pranto lhe caiu nos braços.
Jamais a parasita em flóreos laços
Assim ligou-se ao piquiá robusto…
Eram-lhe as tranças a cair no busto
Os esparsos festões da granadilha…
Tépido aljofar o seu pranto brilha,
Depois resvala no moreno seio…
Oh! doces horas de suave enleio!
Quando o peito da virgem mais arqueja,
Como o casal da rola sertaneja,
Se a ventania lhe sacode o ninho.
Cantai, ó brisas, mas cantai baixinho!
Passai, ó vagas…, mais passai de manso!
Não perturbeis-lhe o plácido remanso,
Vozes do ar! emanações do rio!
“Maria, fala!” — “Que acordar sombrio”,
Murmura a triste com um sorriso louco,
“No Paraíso eu descansava um pouco…
Tu me fizeste despertar na vida …
“Por que não me deixaste assim pendida
Morrer co’a fronte oculta no teu peito?
Lembrei-me os sonhos do materno leito
Nesse momento divinal… Qu’importa?…
“Toda esperança para mim ’sta morta…
Sou flor manchada por cruel serpente…
Só de encontro nas rochas pode a enchente
Lavar-me as nódoas, m’esfolhando a vida.
“Deixa-me! Deixa-me a vagar perdida…
Tu! — Parte! Volve para os lares teus.
Nada perguntes… é um segredo horrível…
Eu te amo ainda… mas agora — adeus!”
ADEUS — Adeus — Ai criança ingrata!
Pois tu me disseste — adeus — ?
Loucura! melhor seria
Separar a terra e os céus.
— Adeus — palavra sombria!
De uma alma gelada e fria És a derradeira flor. — Adeus! —
miséria! mentira
De um seio que não suspira,
De um coração sem amor.
Ai, Senhor! A rola agreste
Morre se o par lhe faltou.
O raio que abrasa o cedro
A parasita abrasou.
O astro namora o orvalho:
— Um é a estrela do galho, — Outro o orvalho da amplidão.
Mas, à luz do sol nascente,
Morre a estrela — no poente!
O orvalho — morre no chão!
Nunca as neblinas do vale
Souberam dizer-se — adeus —
Se unidas partem da terra,
Perdem-se unidas nos céus.
A onda expira na plaga…
Porém vem logo outra vaga
P’ra morrer da mesma dor…
— Adeus — palavra sombria!
Não digas — adeus —, Maria!
Ou não me fales de amor!

MUDO E QUEDO

E calado ficou… De pranto as bagas
Pelo moreno rosto deslizaram,
qual da braúna, que o machado fere,
Lágrimas saltam de um sabor amargo.
Mudos, quedos os dois neste momento
Mergulhavam no dédalo d’angústia,
No labirinto escuro que desgraça…
Labirinto sem luz, sem ar, sem fio…
Que dor, que drama torvo de agonias
Não vai naquelas almas!… Dor sombria
De ver quebrado aquele amor tão santo,
De lembrar que o passado está passado…,
Que a esperança morreu, que surge a morte!…
Tanta ilusão!… tanta carícia meiga!…
Tanto castelo de ventura feito À beira do riacho, ou na campanha!…
Tanto êxtase inocente de amorosos!…
Tanto beijo na porta da choupana,
Quando a lua invejosa no infinito
Com uma bênção de luz sagrava os noivos!…
Não mais! não mais! O raio, quando esgalha
O ipê secular, atira ao longe
Flores, que há pouco se beijavam n’hástea,
Que unidas nascem, juntas viver pensam,
E que jamais na terra hão de encontrar-se!
Passou-se muito tempo… Rio abaixo
A canoa corria ao tom das vagas.
De repente ele ergueu-se hirto, severo, — O olhar em fogo, o riso convulsivo

Em golfadas lançando a voz do peito!…
“Maria! — diz-me tudo… Fala! fala
Enquanto eu posso ouvir… Criança, escuta!
Não vês o rio?… é negro!… é um leito fundo…
A correnteza, estrepitando, arrasta
Uma palmeira, quanto mais um homem!…
Pois bem! Do seio túrgido do abismo
Há de romper a maldição do morto;
Depois o meu cadáver negro, lívido,
Irá seguindo a esteira da canoa
Pedir-te inda que fales, desgraçada,
Que ao morto digas o que ao vivo ocultas!…”
Era tremenda aquela dor selvagem,
Que rebentava enfim, partindo os diques
Na fúria desmedida!…
Em meio às ondas
Ia Lucas rolar
Um grito fraco,
Uma trêmula mão susteve o escravo…
E a pálida criança, desvairada,
Aos pés caiu-lhe a desfazer-se em pranto.
Ela encostou-se ao peito do selvagem — Como a violeta, as faces escondendo
Sob a chuva noturna dos cabelos — !
Lenta e sombria após contou destarte
A treda história desse tredo crime!…

NA FONTE

I

“Era hoje ao meio-dia.
Nem uma brisa macia
Pela savana bravia
Arrufava os ervaçais…
Um sol de fogo abrasava;
Tudo a sombra procurava;
Só a cigarra cantava
No tronco dos coqueirais.

II

“Eu cobri-me da mantilha,
Na cabeça pus a bilha,
Tomei do deserto a trilha,
Que lá na fonte vai dar.
Cansada cheguei na mata:
Ali, na sombra, a cascata
As alvas tranças desata
Como u’a moça a brincar.

III

“Era tão densa a espessura!
Corria a brisa tão pura!
Reinava tanta frescura,
Que eu quis me banhar ali.
Olhei em roda… Era quedo
O mato, o campo, o rochedo…
Só nas galhas do arvoredo
Saltava alegre o sagüi.

IV

“Junto às águas cristalinas
Despi-me louca, traquinas,
E as roupas alvas e finas
Atirei sobre os cipós.
Depois mirei-me inocente,
E ri vaidosa… e contente…
Mas voltei-me de repente…
Como que ouvira uma voz!

V”

Quem foi que passou ligeiro,
Mexendo ali no ingazeiro,
E se embrenhou no balceiro,
Rachando as folhas do chão?…
Quem foi?! Da mata sombria
Uma vermelha cutia
Saltou tímida e bravia,
Em procura do sertão.

VI

“Chamei-me então de criança;
A meus pés a onda mansa
Por entre os juncos s’entrança
Como uma cobra a fugir!
Mergulho o pé docemente;
Com o frio fujo à corrente…
De um salto após de repente
Fui dentro d’água cair.

VII

“Quando o sol queima as estradas,
E nas várzeas abrasadas
Do vento as quentes lufadas
Erguem novelos de pó,
Como é doce em meio às canas,
Sob um teto de lianas,
Das ondas nas espadanas
Banhar-se despida e só!…

VIII

“Rugitavam os palmares…
Em torno dos nenufares
Zumbiam pejando os ares
Mil insetos de rubim…
Eu naquele leito brando
Rolava alegre cantando…
Súbito… um ramo estalando
Salta um homem junto a mim!”

NOS CAMPOS

“Fugi desvairada!
Na moita intrincada,
Rasgando uma estrada,
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo
Meus negros cabelos,
E os seios cobrindo
Com os trêmulos dedos,
Ligeira voei!
“Saltei as torrentes.
Trepei dos rochedos
Aos cimos ardentes,
Nos ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos,
Meus passos mesquinhos
Com sangue marquei!
“Avante! corramos!
Corramos ainda!…
Da selva nos ramos
A sombra é infinda.
A mata possante
Ao filho arquejante
Não nega um abrigo…
Corramos ainda!
Corramos! avante!
“Debalde! A floresta — Madrasta impiedosa —
A pobre chorosa
Não quis abrigar!
“Pois bem! Ao deserto!
“De novo, é loucura!
Seguindo meus traços
Escuto seus passos
Mais perto! mais perto!
Já queima-me os ombros
Seu hálito ardente.
Já vejo-lhe a sombra
Na úmida alfombra…
Qual negra serpente,
Que vai de repente
Na presa saltar!…
Na douda
Corrida,
Vencida,
Perdida,
Quem me há de salvar?”

NO MONTE

“Parei… Volvi em torno os olhos assombrados…
Ninguém! A solidão pejava os descampados…
Restava inda um segundo… um só p’ra me salvar;
Então reuni as forças, ao céu ergui o olhar…
E do peito arranquei um pavoroso grito,
Que foi bater em cheio às portas do infinito!
Ninguém! Ninguém me acode… Ai! só de monte em monte
Meu grito ouvi morrer na extrema do horizonte!…
Depois a solidão ainda mais calada
Na mortalha envolveu a serra descampada!…
“Ai! que pode fazer a rola triste
Se o gavião nas garras a espedaça?
Ai! que faz o cabrito do deserto,
Quando a jibóia no potente aperto
Em roscas férreas o seu corpo enlaça?
“Fazem como eu?… Resistem, batem, lutam,
E finalmente expiram de tortura.
Ou, se escapam trementes, arquejantes,
Vão, lambendo as feridas gotejantes,
Morrer à sombra da floresta escura!…
“E agora está concluída
Minha história desgraçada.
Quando caí — era virgem!
Quando ergui-me — desonrada!”

SANGUE DE AFRICANO

Aqui sombrio, fero, delirante
Lucas ergueu-se como o tigre bravo…
Era a estátua terrível da vingança…
O selvagem surgiu… sumiu-se o escravo.
Crispado o braço, no punhal segura!
Do olhar sangrentos raios lhe ressaltam,
Qual das janelas de um palácio em chamas
As labaredas, irrompendo, saltam.
Com o gesto bravo, sacudido, fero,
A destra ameaçando a imensidade…
Era um bronze de Aquiles furioso
Concentrando no punho a tempestade!
No peito arcado o coração sacode
O sangue, que da raça não desmente,
Sangue queimado pelo sol da Líbia,
Que ora referve no Equador ardente.

AMANTE

“Basta, criança! Não soluces tanto…
Enxuga os olhos, meu amor, enxuga!
Que culpa tem a clícia descaída
Se abelha envenenada o mel lhe suga?
“Basta! Esta faca já contou mil gotas
De lágrimas de dor nos teus olhares.
Sorri, Maria! Ela jurou pagar-tas
No sangue dele em gotas aos milhares.
“Por que volves os olhos desvairados?
Por que tremes assim, frágil criança?
Est’alma é como o braço, o braço é ferro,
E o ferro sabe o trilho da vingança.
“Se a justiça da terra te abandona,
Se a justiça do céu de ti se esquece,
A justiça do escravo está na força…
E quem tem um punhal nada carece!…
“Vamos! Acaba a história… Lança a presa…
Não vês meu coração, que sente fome?
Amanhã chorarás; mas de alegria!
Hoje é preciso me dizer — seu nome!”

ANJO

“Ai! Que vale a vingança, pobre amigo,
Se na vingança a honra não se lava?…
O sangue é rubro, a virgindade é branca —
O sangue aumenta da vergonha a bava.
“Se nós fomos somente desgraçados,
Para que miseráveis nos fazermos?
Desportados da terra assim perdemos
De além da campa as regiões sem termos…
“Ai! não manches no crime a tua vida,
Meu irmão, meu amigo, meu esposo!…
Seria negro o amor de uma perdida
Nos braços a sorrir de um criminoso!…”

DESESPERO

“Crime! Pois será crime se a jibóia
Morde silvando a planta, que a esmagara?
Pois será crime se o jaguar nos dentes
Quebra do índio a pérfida taquara?
“E nós que somos, pois? Homens? — Loucura!
Família, leis e Deus lhes coube em sorte.
A família no lar, a lei no mundo…
E os anjos do Senhor depois da morte.
“Três leitos, que sucedem-se macios,
Onde rolam na santa ociosidade…
O pai o embala… a lei o acaricia…
O padre lhe abre a porta à eternidade.
“Sim! Nós somos reptis… Qu’importa a espécie?
— A lesma é vil, — o cascavel é bravo.
E vens falar de crimes ao cativo?
Então não sabes o que é ser escravo!…
“Ser escravo — é nascer no alcoice escuro
Dos seios infamados da vendida…
— Filho da perdição no berço impuro
Sem leite para a boca ressequida…
“É mais tarde, nas sombras do futuro,
Não descobrir estrela foragida… É ver
— viajante morto de cansaço —
A terra — sem amor!… sem Deus — o espaço!
“Ser escravo — é, dos homens repelido,
Ser também repelido pela fera;
Sendo dos dois irmãos pasto querido,
Que o tigre come e o homem dilacera…
— É do lodo no lodo sacudido
Ver que aqui ou além nada o espera,
Que em cada leito novo há mancha nova…
No berço… após no toro… após na cova!…
“Crime! Quem falou, pobre Maria,
Desta palavra estúpida?… Descansa!
Foram eles talvez?!… É zombaria…
Escarnecem de ti, pobre criança!
Pois não vês que morremos todo dia,
Debaixo do chicote, que não cansa?
Enquanto do assassino a fronte calma
Não revela um remorso de sua alma?
“Não! Tudo isto é mentira! O que é verdade
É que os infames tudo me roubaram…
Esperança, trabalho, liberdade
Entreguei-lhes em vão… não se fartaram.
Quiseram mais… Fatal voracidade!
Nos dentes meu amor espedaçaram…
Maria! Última estrela de minh’alma!
O que é feito de ti, virgem sem palma?
“Pomba — em teu ninho as serpes te morderam.
Folha — rolaste no paul sombrio.
Palmeira — as ventanias te romperam.
Corça — afogaram-te as caudais do rio.
Pobre flor — no teu cálice beberam,
Deixando-o depois triste e vazio…
— E tu, irmã! e mãe! e amante minha!
Queres que eu guarde a faca na bainha!
“Ó minha mãe! ó mártir africana,
Que morreste de dor no cativeiro!
Ai! sem quebrar aquela jura insana,
Que jurei no teu leito derradeiro,
No sangue desta raça ímpia, tirana
Teu filho vai vingar um povo inteiro!…
Vamos, Maria! Cumpra-se o destino…
Dize! dize-me o nome do assassino!…”
“Virgem das Dores,
Vem dar-me alento,
Neste momento
De agro sofrer!
Para ocultar-lhe
Busquei a morte…
Mas vence a sorte,
Deve assim ser.
“Pois que seja! Debalde pedi-te,
Ai! debalde a teus pés me rojei…
Porém antes escuta esta história…
Depois dela… O seu nome direi!”

HISTÓRIA DE UM CRIME

“Fazem hoje muitos anos
Que de uma escura senzala
Na estreita e lodosa sala
Arquejava u’a mulher.
Lá fora por entre as urzes
O vendaval s’estorcia…
E aquela triste agonia
Vinha mais triste fazer.
“A pobre sofria muito.
Do peito cansado, exangue, Às vezes rompia o sangue
E lhe inundava os lençóis.
Então, como quem se agarra Às últimas esperanças,
Duas pávidas crianças
Ela olhava… e ria após.
“Que olhar! que olhar tão extenso!
Que olhar tão triste e profundo!
Vinha já de um outro mundo,
Vinha talvez lá do céu.
Era o raio derradeiro.
Que a lua, quando se apaga,
Manda por cima da vaga
Da espuma por entre o véu.
“Ainda me lembro agora
Daquela noite sombria,
Em que u’a mulher morria
Sem rezas, sem oração!…
Por padre — duas crianças…
E apenas por sentinela
Do Cristo a face amarela
No meio da escuridão.
“Às vezes naquela fronte
Como que a morte pousava
E da agonia aljofrava
O derradeiro suor…
Depois acordava a mártir,
Como quem tem um segredo…
Ouvia em torno com medo,
Com susto olhava em redor.
“Enfim, quando noite velha
Pesava sobre a mansarda,
E somente o cão de guarda
Ladrava aos ermos sem fim,
Ela, nos braços sangrentos
As crianças apertando,
Num tom meigo, triste e brando
Pôs-se a falar-lhes assim.

ÚLTIMO ABRAÇO

“Filho, adeus! Já sinto a morte,
Que me esfria o coração.
Vem cá… Dá-me tua mão…
Bem vês que nem mesmo tu
Podes dar-lhe novo alento!…
Filho, é o último momento…
A morte — a separação!
Ao desamparo, sem ninho,
Ficas, pobre passarinho,
Neste deserto profundo,
Pequeno, cativo e nu!…
“Que sina, meu Deus! que sina
Foi a minha neste mundo!
Presa ao céu — pelo desejo,
Presa à terra — pelo amor!…
Que importa! é tua vontade?
Pois seja feita, Senhor!
“Pequei!… foi grande o meu crime,
Mas é maior o castigo…
Ai! não bastava a amargura
Das noites ao desabrigo;
De espedaçarem-me as carnes
O tronco, o açoite, a tortura,
De tudo quanto sofri.
Era preciso mais dores,
Inda maior sacrifício…
Filho! bem vês meu suplício…
Vão separar-me de ti!
“Chega-te perto… mais perto;
Nas trevas procura ver-te
Meu olhar, que treme incerto,
Perturbado, vacilante…
Deixa em meus braços prender-te
P’ra não morrer neste instante;
Inda tenho que fazer-te
Uma triste confissão…
Vou revelar-te um segredo
Tão negro, que tenho medo
De não ter o teu perdão!…
Mas não!
Quando um padre nos perdoa,
Quando Deus tem piedade
De um filho no coração
Uma mãe não bate à toa.

MÃE PENITENTE

“Ouve-me, pois!… Eu fui uma perdida;
Foi este o meu destino, a minha sorte…
Por esse crime é que hoje perco a vida,
Mas dele em breve há de salvar-me a morte!
“E minh’alma, bem vês, que não se irrita,
Antes bendiz estes mandões ferozes.
Eu seria talvez por ti maldita,
Filho! sem o batismo dos algozes!
“Porque eu pequei… e do pecado escuro
Tu foste o fruto cândido, inocente,
— Borboleta, que sai do — lodo impuro…
— Rosa, que sai de — pútrida semente!
“Filho! Bem vês… fiz o maior dos crimes
— Criei um ente para a dor e a fome!
Do teu berço escrevi nos brancos vimes
O nome de bastardo — impuro nome.
“Por isso agora tua mãe te implora
E a teus pés de joelhos se debruça.
Perdoa à triste — que de angústia chora,
Perdoa à mártir — que de dor soluça!
“Mas um gemido a meus ouvidos soa…
Que pranto é este que em meu seio rola?
Meu Deus, é o pranto seu que me perdoa…
Filho, obrigada pela tua esmola!”

O SEGREDO

“Agora vou dizer-te por que morro;
Mas hás de jurar primeiro,
Que jamais tuas mãos inocentes
Ferirão meu algoz derradeiro…
Meu filho, eu fui a vítima
Da raiva e do ciúme.
Matou-me como um tigre carniceiro,
Bem vês,
Uma branca mulher, que em si resume
Do tigre — a malvadez,
Do cascavel — o rancor!…
Deixo-te, pois… — Um grito de vingança? — Não,
pobre criança! …
Um crime a perdoar… o que é melhor!…
“Depois. teve razão… Esta mulher É tua e minha senhora!…
“Lucas, silêncio! que por ela implora
Teu pai… e teu irmão! …
“Teu irmão, que é seu filho… (ó magoa e dor!)
“Teu pai — que é seu marido… e teu senhor! …
“Juras não me vingar? — ó mãe, eu juro
Por ti, pelos beijos teus!
“— Obrigada! agora… agora
Já nada mais me demora…
Deus! — recebe a pecadora!
Filho! — recebe este adeus!”
Quando, rompendo as barras do oriente,
A estrela da manhã mais desmaiava,
E o vento da floresta ao céu levava
O canto jovial do bem-te-vi;
Na casinha de palha uma criança,
Da defunta abraçando o corpo frio,
Murmurava chorando em desvario: — Eu não me vingo, ó mãe…
juro por ti!…”
Maria calou-se… Na fronte do Escravo
Suor de agonia gelado passou;
Com riso convulso murmura: “Que importa
Se o filho da escrava na campa jurou?!…
“Que tem o passado com o crime de agora?
Que tem a vingança, que tem com o perdão?”
E como arrancando do crânio uma idéia
Na fronte corria-lhe a gélida mão…
“Esquece o passado! Que morra no olvido…
Ou antes relembra-o cruento, feroz!
Legenda de lodo, de horror e de crimes
E gritos de vítima e risos de algoz!
“No frio da cova que jaz na explanada,
— Vingança — murmuram os ossos dos meus!”
— Não ouves um canto, que passa nos ares? — Perdoa! —
respondem as almas nos céus!” — “São longos
gemidos do seio materno
Lembrando essa noite de horror e traição!”
— “É o flébil suspiro do vento, que outrora
Bebera nos lábios da morta o perdão!…”
E descaiu profundo
Em longo meditar…
Após sombrio e fero
Viram-no murmurar:
“Mãe! Na região longínqua
Onde tua alma vive,
Sabes que eu nunca tive
Um pensamento vil.
Sabes que esta alma livre
Por ti curvou-se escrava;
E devorou a bava…
E tigre — foi reptil!
“Nem um tremor correra-me
A face fustigada!
Beijei a mão armada
Com o ferro que a feriu…
Filho, de um pai misérrimo
Fui o fiel rafeiro…
Caim, irmão traiçoeiro!
Feriste… e Abel sorriu!
“De tanto horror o cúmulo, Ó mãe, alma celeste
Se perdoar quiseste,
Eu perdoei também.
Santificaste os míseros;
Curvei-me reverente
A eles tão-somente,
Somente… a mais ninguém!
“Ninguém! que a nada humilho-me
Na terra, nem no espaço!…
Pode ferir meu braço… — “Lucas! não pode, não!
Mísero a mão que abrira
De tua mãe a cova…
O golpe hoje renova!…
Mata-me!… É teu irmão!…”

O CREPÚSCULO SERTANEJO

A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro…
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo! Marulho gigante!
Talvez um — silêncio!… Talvez uma — orquestra…
Da folha, do cálix, das asas, do inseto…
Do átomo — à estrêla… do verme — à
floresta!…
As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas, — da brisa ao açoite —;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co’as penas da noite!
Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes, daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos — um touro selvagem.
Então as marrecas, em torno boiando,
O vôo encurvavam medrosas, à toa…
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…

O BANDOLIM DA DESGRAÇA

Quando de amor a Americana douda
A moda tange na febril viola,
E a mão febrenta sobre a corda fina
Nervosa, ardente, sacudida rola.
A gusla geme, s’estorcendo em ânsias,
Rompem gemidos do instrumento em pranto…
Choro indizível… comprimir de peitos…
Queixas, soluços… desvairado canto!
E mais dorida a melodia arqueja!
E mais nervosa corre a mão nas cordas!…
Ai! tem piedade das crianças louras
Que soluçando no instrumento acordas!…
“Ai! tem piedade dos meus seios trêmulos…”
Diz estalando o bandolim queixoso.
… E a mão palpita-lhe apertando as fibras…
E fere, e fere em dedilhar nervoso!…
Sobre o regaço da mulher trigueira,
Doida, cruel, a execução delira!…
Então — co’as unhas cor-de-rosa, a moça,
Quebrando as cordas, o instrumento atira!…
Assim, Desgraça, quando tu, maldita!
As cordas d’alma delirante vibras…
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras!
— Basta —, murmura esse instrumento vivo.
— Basta —, murmura o coração rangendo,
E tu, no entanto, num rasgar de artérias,
Feres lasciva em dedilhar tremendo.
Crença, esperança, mocidade e glória,
Aos teus arpejos,
— gemebundas morrem!…
Resta uma corda…
— a dos amores puros — …
E mais ardentes os teus dedos correm!…
E quando farta a cortesã cansada
A pobre gusla no tapete atira,
Que resta?…
— Uma alma
— que não tem mais vida!
Olhos — sem pranto! Desmontada — lira!!!

A CANOA FANTÁSTICA

Pelas sombras temerosas
Onde vai esta canoa?
Vai tripulada ou perdida?
Vai ao certo ou vai à toa?
Semelha um tronco gigante
De palmeira, que s’escoa…
No dorso da correnteza,
Como bóia esta canoa!…
Mas não branqueja-lhe a vela!
N’água o remo não ressoa!
Serão fantasmas que descem
Na solitária canoa?
Que vulto é este sombrio
Gelado, imóvel, na proa?
Dir-se-ia o gênio das sombras
Do inferno sobre a canoa!…
Foi visão? Pobre criança!
À luz, que dos astros coa, É teu, Maria, o cadáver,
Que desce nesta canoa?
Caída, pálida, branca!…
Não há quem dela se doa?!…
Vão-lhe os cabelos a rastos
Pela esteira da canoa!…
E as flores róseas dos golfos,
— Pobres flores da lagoa,
Enrolam-se em seus cabelos
E vão seguindo a canoa!…

O SÃO FRANCISCO

Longe, bem longe, dos cantões bravios,
Abrindo em alas os barrancos fundos;
Dourando o colo aos perenais estios,
Que o sol atira nos modernos mundos;
Por entre a grita dos ferais gentios,
Que acampam sob os palmeirais profundos;
Do São Francisco a soberana vaga
Léguas e léguas triunfante alaga!
Antemanhã, sob o sendal da bruma,
Ele vagia na vertente ainda,
— Linfa amorosa
— co’a nitente espuma
Orlava o seio da Mineira linda;
Ao meio-dia, quando o solo fuma
Ao bafo morto de u’a calma infinda,
Viram-no aos beijos, delamber demente
As rijas formas da cabocla ardente.
Insano amante! Não lhe mata o fogo
O deleite da indígena lasciva…
Vem — à busca talvez de desafogo
Bater à porta da Baiana altiva.
Nas verdes canas o gemente rogo
Ouve-lhe à tarde a tabaroa esquiva…
E talvez por magia à luz da lua
Mole a criança na caudal flutua.
Rio soberbo! Tuas águas turvas
Por isso descem lentas, peregrinas…
Adormeces ao pé das palmas curvas
Ao músico chorar das casuarinas!
Os poldros soltos — retesando as curvas, —
Ao galope agitando as longas crinas,
Rasgam alegres — relinchando aos ventos —
De tua vaga os turbilhões barrentos.
E tu desces, ó Nilo brasileiro,
As largas ipueiras alagando,
E das aves o coro alvissareiro
Vai nas balças teu hino modilhando!
Como pontes aéreas — do coqueiro
Os cipós escarlates se atirando,
De grinaldas em flor tecendo a arcada
São arcos triunfais de tua estrada!…

A CACHOEIRA

Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas…
Titubantes — no álveo do rio —
Tremem as lapas dos titães coevas!…
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!…
Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra sucr’ruiúba o cheiro imundo…
Mas já tarde… silvando o monstro voa…
E o novilho preado os ares troa!
Então doido de dor, sânie babando,
Co’a serpente no dorso parte o touro…
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro…
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro…
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.
Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito
—Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!…
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito…
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!…
Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto…
Atropela-se, empina, espuma o bando…
E em massa rui no precipício aberto…
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto…
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas…
A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.
Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!…
Do sacerdote o punho e a roxa fronte…
E as serpentes de Tênedos em sanha!…
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!!!…

UM RAIO DE LUAR

Alta noite ele ergueu-se. Hirto, solene.
Pegou na mão da moça. Olhou-a fito…
Que fundo olhar!
Ela estava gelada, como a garça
Que a tormenta ensopou longe do ninho,
No largo mar.
Tomou-a no regaço… assim no manto
Apanha a mãe a criancinha loura,
Tenra a dormir.
Apartou-lhe os cabelos sobre a testa…
Pálida e fria… Era talvez a morte…
Mas a sorrir.
Pendeu-lhe sobre os lábios. Como treme
No sono asa de pombo, assim tremia-lhe
O ressonar.
E como o beija-flor dentro do ovo,
Ia-lhe o coração no níveo seio
A titilar.
Morta não era! Enquanto um rir convulso
Contraíra as feições do homem silente — Riso fatal.
Dir-se-ia que antes a quisera rija,
Inteiriçada pela mão da noite
Hirta, glacial!
Um momento de bruços sobre o abismo,
Ele, embalando-a, sobre o rio negro
Mais s’inclinou…
Nesse instante o luar bateu-lhe em cheio,
E um riso à flor dos lábios da criança À flux
boiou!
Qual o murzelo do penhasco à borda
Empina-se e cravando as ferraduras
Morde o escarcéu;
Um calafrio percorreu-lhe os músculos…
O vulto recuou!… A noite em meio
Ia no céu!

DESPERTAR PARA MORRER

— “Acorda!”
— “Quem me chama?”
— “Escuta!”
— “Escuto…”
— “Nada ouviste?”
— “Inda não…”
— “É porque o vento Escasseou.”
— “Ouço agora… da noite na calada
Uma voz que ressona cava e funda…
E após cansou!”
— “Sabes que voz é esta?”
— “Não! Semelha
Do agonizante o derradeiro engasgo,
Rouco estertor…”
E calados ficaram, mudos, quedos,
Mãos contraídas, bocas sem alento…
Hora de horror!…

Canção do Boêmio

Que noite fria! Na deserta rua
Tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
Ladram de tédio vinte cães vadios.
Nini formosa! por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vós?… Meu coração
é triste
Como um calouro quando leva ponto.
A passos largos eu percorro a sala
Fumo um cigarro, que filei na escola…
Tudo no quarto de Nini me fala
Embalde fumo… tudo aqui me amola.
Diz-me o relógio cinicando a um canto
“Onde está ela que não veio ainda?”
Diz-me a poltrona “por que tardas tanto?
Quero aquecer-te rapariga linda.”
Em vão a luz da crepitante vela
De Hugo clarcia uma canção ardente;
Tens um idílio — em tua fronte bela…
Um ditirambo— no teu seio quente…
Pego o compêndio… inspiração sublime
P’ra adormecer… inquietações tamanhas…
Violei à noite o domicílio, ó crime!
Onde dormia uma nação… de aranhas…
Morrer de frio quando o peito é brasa…
Quando a paixão no coração se aninha!?…
Vós todos, todos, que dormis em casa,
Dizei se há dor, que se compare à minha!…
Nini! o horror deste sofrer pungente
Só teu sorriso neste mundo acalma…
Vem aquecer-me em teu olhar ardente…
Nini! tu és o cache-nez dest’alma.
Deus do Boêmio!… São da mesma raça
As andorinhas e o meu anjo louro…
Fogem de mim se a primavera passa
Se já nos campos não há flores de ouro…
E tu fugiste, pressentindo o inverno.
Mensal inverno do viver boêmio…
Sem te lembrar que por um riso terno
Mesmo eu tomara a primavera a prêmio..
No entanto ainda do Xerez fogoso
Duas garrafas guardo ali… Que minas!
Além de um lado o violão saudoso
Guarda no seio inspirações divinas…
Se tu viesses… de meus lábios tristes
Rompera o canto… Que esperança inglória…
Ela esqueceu o que jurar lhe vistes
Ó Paulicéia, ó Ponte-grande’ ó Glórial…
Batem!… que vejo! Ei-la afinal comigo…
Foram-se as trevas… fabricou-se a luz…
Nini! pequei… dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braços… do martírio a cruz!…

Coup D’Étrier

É preciso partir! Já na calçada
Retinem. as esporas do arrieiro;
Da mula a ferradura tacheada
Impaciente chama o cavaleiro;
A espaços ensaiando uma toada
Sincha as bestas o lépido tropeiro…
Soa a celeuma alegre da partida,
O pajem firma o loro e empunha a brida.
Já do largo deserto o sopro quente
Mergulha perfumado em meus cabelos.
Ouço das selvas a canção cadente
Segredando-me incógnitos anelos.
A voz dos servos pitoresca, ardente
Fala de amores férvidos, singelos…
Adeus! Na folha rota de meu fado
Traço ainda um — adeus — ao meu
Um adeus! E depois morra no olvido
Minha história de luto e de martírio,
As horas que eu vaguei louco, perdido
Das cidades no tétrico delírio;
Onde em pântano turvo, apodrecido
D’íntimas flores não rebenta um lírio…
E no drama das noites do prostíbulo
É mártir — alma… a saturnal — patíbulo!
Onde o Gênio sucumbe na asfixia
Em meio à turba alvar e zombadora;
Onde Musset suicida-se na orgia,
E Chatterton na fome aterradora!
Onde, à luz de uma lâmpada sombrio,
O Anjo-da-Guarda ajoelhado chora,
Enquanto a cortesã lhe apanha os prantos
P’ra realce dos lúbricos encantos!…
Abre-me o seio, ó Madre Natureza!
Regaços da floresta americana,
Acalenta-me a mádida tristeza
Que da vaga das turbas espadana.
Troca dest’alma a fria morbideza
Nessa ubérrima seiva soberana!…
O Pródigo… do lar procura o trilho…
Natureza! Eu voltei… e eu sou teu filho!
Novo alento selvagem, grandioso
Trema nas cordas desta frouxa lira.
Dá-me um plectro bizarro e majestoso,
Alto como os ramais da sicupira.
Cante meu gênio o dédalo assombroso
Da floresta que ruge e que suspira,
Onde a víbora lambe a parasita…
E a onça fula o dorso pardo agita!
Onde em cálix de flor imaginária
A cobra de coral rola no orvalho,
E o vento leva a um tempo o canto vário
D’araponga e da serpe de chocalho…
Onde a soidão é o magno estradivário…
Onde há músc’los em fúria em cada galho,
E as raízes se torcem quais serpentes…
E os monstros jazem no ervaçal dormentes.
E se eu devo expirar… se a fibra morta
Reviver já não pode a tanto alento…
Companheiro! Uma cruz na selva corta
E planta-a no meu tosco monumento!…
Da chapada nos ermos… (o qu’importa?)
Melhor o inverno chora… e geme o vento.
E Deus para o poeta o céu desata
Semeado de lágrimas de prata!…

Dalila

Foi Desgraça meu Deus!… Não!… Foi loucura
Pedir seiba de vida-à sepultura,
Em gelo — me abrasar,
Pedir amores — a Marco sem brio,
E a rebolcar-me em leito imundo e frio
— A ventura buscar.
Errado viajor — sentei-me à alfombra
E adormeci da mancenilha à sombra
Em berço de cetim…
Embalava-me a brisa no meu leito…
Tinha o veneno a lacerar-me o peito
— A morte dentro em mim…
Foi loucura!… No ocaso — tomba o astro;
A estátua branca e pura de alabastro
— Se mancha em lodo vil…
Quem rouba a estrela-à tumba do ocidente?
Que Jordão lava na lustral corrente
O marmóreo perfil?…
Talvez!… Foi sonho!… Em noite nevoenta
Ela passou sozinha, macilenta,
Tremendo a soluçar…
Chorava — nenhum eco respondia…
Sorria-a tempestade além bramia…
E ela sempre a marchar.
E eu disse-lhe: Tens frio? — arde minha alma.
Tens os pés a sangrar?-podes em calma
Dormir no peito meu.
Pomba errante-é meu peito um ninho vago!
Estrela— tens minha alma-imenso lago—
Reflete o rosto teu! …
E amamos — Este amor foi um delírio…
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
Minha estrela sem véu…
Seu nome era o meu canto de poesia,
Que com o sol — pena de ouro — eu escrevia
Nas laminas do céu.
Em seu seio escondi-me… como à noite
Incauto colibri, temendo o açoite
Das iras do tufão,
A cabecinha esconde sob as asas,
Faz seu leito gentil por entre as gazas
Da rosa do Japão.
E depois… embalei-a com meus cantos
Seu passado esqueci… lavei com prantos
Seu lodo e maldição…
…Mas um dia acordei… E mal desperto
Olhei em torno a mim… — Tudo deserto…
Deserto o coração…
Ao vento, que gemia pelas franças
Por ela perguntei… de suas tranças
À flor que ela deixou…
Debalde… Seu lugar era vazio…
E meu lábio queimado e o peito frio,
Foi ela que o queimou…
Minha alma nodoou no ósculo imundo,
Bem como Satanás — beijando o mundo —
Manchou a criação,
Simum — crestou-me da esperança as flores…
Tormenta — ela afogou nos seus negrores
A luz da inspiração…
Vai, Dalila!… É bem longa
tua estrada…
É suave a descida-terminada
Em báratro cruel.
Tua vida-é um banho de ambrósia…
Mais tarde a morte e a lâmpada
sombria
Pendente do bordel.
Hoje flores… A música soando…
As perlas do Champagne gotejando
Em taças de cristal.
A volúpia a escaldar na lonca insônia…
Mas sufoca os festins de Babilônia
A legenda fatal.
Tens o seio de fogo e a alma fria.
O cetro empunhas lúbrico da orgia
Em que reinas tu só!…
Mas que finda o ranger de uma mortalha,
A enxada do coveiro que trabalha
A revolver o pó.
Não te maldigo, não!… Em vasto campo
Julguei-te — estrela, — e eras — pirilampo
Em meio à cerração…
Prometeu — quis dar luz à fria argila…
Não pude… Pede a Deus, louca Dalila,
A luz da redenção!!…

Desespero

“Crime! Pois será crime se a jibóia
Morde silvando a planta, que a esmagara?
Pois será crime se o jaguar nos dentes
Quebra do índio a pérfida taquara?
“E nós que somos, pois? Homens? — Loucura!
Família, leis e Deus lhes coube em sorte.
A família no lar, a lei no mundo…
E os anjos do Senhor depois da morte.
“Três leitos, que sucedem-se macios,
Onde rolam na santa ociosidade…
O pai o embala… a lei o acaricia…
O padre lhe abre a porta à eternidade.
“Sim! Nós somos reptis… Qu’importa a espécie?
— A lesma é vil, — o cascavel é bravo.
E vens falar de crimes ao cativo?
Então não sabes o que é ser escravo!…
“Ser escravo — é nascer no alcoice escuro
Dos seios infamados da vendida…
— Filho da perdição no berço impuro
Sem leite para a boca ressequida…
“É mais tarde, nas sombras do futuro,
Não descobrir estrela foragida…
É ver — viajante morto de cansaço —
A terra — sem amor!… sem Deus — o espaço!
“Ser escravo — é, dos homens repelido,
Ser também repelido pela fera;
Sendo dos dois irmãos pasto querido,
Que o tigre come e o homem dilacera…
— É do lodo no lodo sacudido
Ver que aqui ou além nada o espera,
Que em cada leito novo há mancha nova…
No berço… após no toro… após na cova!…
“Crime! Quem falou, pobre Maria,
Desta palavra estúpida?… Descansa!
Foram eles talvez?!… É zombaria…
Escarnecem de ti, pobre criança!
Pois não vês que morremos todo dia,
Debaixo do chicote, que não cansa?
Enquanto do assassino a fronte calma
Não revela um remorso de sua alma?
“Não! Tudo isto é mentira! O que é verdade
É que os infames tudo me roubaram…
Esperança, trabalho, liberdade
Entreguei-lhes em vão… não se fartaram.
Quiseram mais… Fatal voracidade!
Nos dentes meu amor espedaçaram…
Maria! Última estrela de minh’alma!
O que é feito de ti, virgem sem palma?
“Pomba — em teu ninho as serpes te morderam.
Folha — rolaste no paul sombrio.
Palmeira — as ventanias te romperam.
Corça — afogaram-te as caudais do rio.
Pobre flor — no teu cálice beberam,
Deixando-o depois triste e vazio…
— E tu, irmã! e mãe! e amante minha!
Queres que eu guarde a faca na bainha!
“Ó minha mãe! ó mártir africana,
Que morreste de dor no cativeiro!
Ai! sem quebrar aquela jura insana,
Que jurei no teu leito derradeiro,
No sangue desta raça ímpia, tirana
Teu filho vai vingar um povo inteiro!…
Vamos, Maria! Cumpra-se o destino…
Dize! dize-me o nome do assassino!…”
“Virgem das Dores,
Vem dar-me alento,
Neste momento
De agro sofrer!
Para ocultar-lhe
Busquei a morte…
Mas vence a sorte,
Deve assim ser.
“Pois que seja! Debalde pedi-te,
Ai! debalde a teus pés me rojei…
Porém antes escuta esta história…
Depois dela… O seu nome direi!”

Diálogo dos ecos

E chegou-se p’ra a vivenda
Risonho, calmo, feliz…
Escutou… mas só ao longe
Cantavam as juritis…
Murmurou: “Vou surpr’endê-la!”
E a porta ao toque cedeu…
“Talvez agora sonhando
Diz meu nome o lábio seu,
Que a dormir nada prevê…”
E o eco responde: — Vê!…
“Como a casa está tão triste
Que aperto no coração!…
Maria!… Ninguém responde!
Maria, não ouves, não?…
Aqui vejo uma saudade
Nos braços de sua cruz…
Que querem dizer tais prantos,
Que rolam tantos, tantos,
Sobre as faces da saudade
Sobre os braços de Jesus?…
Oh! quem me empresta uma luz?…
Quem me arranca a ansiedade,
Que no meu peito nasceu?
Quem deste negro mistério
Me rasga o sombrio véu?…”
E o eco responde: — Eu!…
E chegou-se para o leito
Da casta flor do sertão…
Apertou co’a mão convulsa
O punhal e o coração!…
St ava inda tépido o ninho
Cheio de aromas suaves…
E — como a pena, que as aves
Deixam no musgo ao voar, —
Um anel de seus cabelos
Jazia cortado a esmo
Como relíquia no altar!…
Talvez prendendo nos elos
Mil suspiros, mil anelos,
Mil soluços, mil desvelos,
Que ela deu-lhes p’ra guardar!…
E o pranto em baga a rolar…
“Onde a pomba foi perder-se?
Que céu minha estrela encerra?
Maria, pobre criança,
Que fazes tu sobre a terra?”
E o eco responde: — Erra!
“Partiste! Nem te lembraste
Deste martírio sem fim!…
Não! perdoa… tu choraste
E os prantos, que derramaste
Foram vertidos por mim…
Houve pois um braço estranho
Robusto, feroz, tamanho,
Que pôde esmagar-te assim?…”
E o eco responde: — Sim!
E rugiu: “Vingança! guerra!
Pela flor, que me deixaste,
Pela cruz em que rezaste,
E que teus prantos encerra!
Eu juro guerra de morte
A quem feriu desta sorte
O anjo puro da terra…
Vê como este braço é forte!
Vê como é rijo este ferro!
Meu golpe é certo… não erro.
Onde há sangue, sangue escorre!…
Vilão! Deste ferro e braço,
Nem a terra, nem o espaço,
Nem mesmo Deus te socorre!!…”
E o eco responde: — Corre !
Como o cão ele em torno o ar aspira,
Depois se orientou.
Fareja as ervas… descobriu a pista
E rápido marchou.
No entanto sobre as águas, que cintilam,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa;
Parecia assim vista — ao sol poente —
Esses ninhos, que o vento lança às águas,
E que na enchente vão boiando à toa!…

Espumas Flutuantes

Prólogo

ERA POR UMA dessas tardes em que o azul do céu oriental — é
pálido e saudoso, em que o rumor do vento nas vergas — e monótono
e cadente, e o quebro da vaga na amurada do navio— e queixoso e tétrico.
Das bandas do ocidente o sol se atufava nos mares ”como um brigue em chamas…”
e daquele vasto incêndio do crepúsculo alastrava-se a cabeça
loura das ondas.
Além… os cerros de granito dessa formosa terra de Guanabara, vacilantes,
a lutarem com a onda invasora de azul, que descia das alturas… recortavam-se
indecisos na penumbra do horizonte.
Longe, inda mais longe… os cimos fantásticos da serra dos Órgãos
embebiam-se na distância sumiam-se, abismavam-se numa espécie
de naufrágio celeste.
Só e triste, encostado à borda do navio, eu seguia com os olhos
aquele esvaecimento indefinido e minha alma apegava-se à forma vacilante
das montanhas — derradeiras atalaias dos meus arraiais da mocidade.
E que lá, dessas terras do sul, para onde eu levara o fogo de todos
os entusiasmos, o viço de todas as ilusões, os meus vinte anos
de seiva e de mocidade, as minhas esperanças de glória e de
futuro;. . . é que dessas terras do sul, onde eu penetrara “como
o moço Rafael subindo as escadas do Vaticano”;… volvia agora
silencioso e alquebrado… trazendo por única ambição—a
esperança de repouso em minha pátria.
Foi então que, em face destas duas tristezas — a noite que descia
dos céus,—a solidão que subia do oceano—, recordei-me
de vós, ó meus amigos!
E tive pena de lembrar que em breve nada restaria do peregrino na terra hospitaleira,
onde vagara; nem sequer a lembrança desta alma, que convosco e por
vós vivera e sentira, gemera e cantara. . .
Ó espíritos errantes sobre a terra! Ó velas enfunadas
sobre os mares!.. . Vós bem sabeis quanto sais efêmeros… —passageiros
que vos absorveis no espaço escuro, ou no escuro esquecimento.
E quando—comediantes do infinito— vos obumbrais nos bastidores
do abismo, o que resta de vós?
— Uma esteira de espumas.. — flores perdidas na vasta indiferença
do oceano.— Um punhado de versos… —espumas flutuantes no dorso
fero da vida!…
E o que são na verdade estes meus cantos?…
Como as espumas, que nascem do mar e do céu, da vaga e do vento, eles
são filhos da musa—este sopro do alto: do coração
_ este pélago da alma.
E como as espumas são, às vezes, a flora sombria da tempestade,
eles por vezes rebentaram ao estalar fatídico do látego da desgraça
E como também o aljofre dourado das espumas reflete as opalas, rutilantes
do arco-íris, eles por acaso refletiram o prisma fantástico
da ventura ou do entusiasmo— estes signos brilhantes da aliança
de Deus com a juventude!
Mas, como as espumas flutuantes levam, boiando nas solidões marinhas,
a lágrima saudosa do marujo… possam eles, ó meus amigos!—efêmeros
filhos de minh’ahna—levar uma lembrança de mim às vossas
plagas!
CASTRO ALVES

Espumas Flutuantes

À MEMÓRIA

DE

MEU PAI, DE MINHA MÃE E DE MEU IRMÃO

O. D. C.

Dedicatória

Apomba d’aliança o vôo espraia
Na superfície azul do mar imenso,
Rente… rente da espuma já desmaia
Medindo a curva do horizonte extenso…
Mas um disco se avista ao longe… A praia
Rasga nitente o nevoeiro denso!…
O pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba forasteira!…
Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno…
O mar atira-lhe a saliva amarga,
O céu lhe atira o temporal de inverno…
O triste verga à tão pesada carga!
Quem abre ao triste um coração paterno?…
É tão bom ter por árvore—uns carinhos!
É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!
Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito!
Que importa? De uma cruz ao longe os braços
Vejo abrirem-se ao mísero precito…
Os túmulos dos teus dão-te regaços!
Ama-te a sombra do salgueiro aflito…
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste
Traz-me no bico um ramo de… cipreste!
O Livro e a América

AO GRÊMIO LITERÁRIO

Talhado para as grandezas,
P’ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
—Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina…
“Tira a América de lá”.
Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um—traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes putrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… O grande Deus!
As cataratas — p’ra terra,
As estrelas—para os céus
Lá, do pólo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos… co’os firmamentos!!!
E Deus responde — “Marchar!”
“Marchar!… Mas como?… Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteons?…
Marchar cota espada de Roma
—Leoa de raiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
—Com as garras nas mãos do mundo,
—Com os dentes no coração?…
“Marchar!… Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
“Quem sempre vence é o porvir!’
Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!…
Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec’lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou…
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe—que faz a palma,
É chuva—que faz o mar.
Vós, que o templo das idéias
Largo — abris às multidões,
P’ra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
—Ginete dos pensamentos,
—Arauto da grande luz!…
Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!…
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada “Luz!” o Novo Mundo
Num brado de Briaréu…
Luz! pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu! . . .
Hebréia
Flos campi et lilium convallium
(Cântico dos Cânticos)
Pomba d’esp’rança sobre um mar d’escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!
Ramo de murta a recender cheirosa!. ..
Tu és, ó filha de Israel formosa…
Tu és, ó linda, sedutora Hebréia…
Pálida rosa da infeliz Judéia
Sem ter o orvalho, que do céu deriva!
Por que descoras, quando a tarde esquiva
Mira-se triste sobre o azul das vagas?
Serão saudades das infindas plagas,
Onde a oliveira no Jordão se inclina?
Sonhas acaso, quando o sol declina,
A terra santa do Oriente imenso?
E as caravanas no deserto extenso?
E os pegureiros da palmeira à sombra?!…
Sim, fora belo na relvosa alfombra,
Junto da fonte, onde Raquel gemera,
Viver contigo qual Jacó vivera
Guiando escravo teu feliz rebanho..
Depois nas águas de cheiroso banho
—Como Susana a estremecer de frio—
Fitar-te, ó flor do babilônio rio,
Fitar-te a medo no salgueiro oculto…
Vem pois!… Contigo no deserto inculto,
Fugindo às iras de Saul embora,
Davi eu fora,—se Micol tu foras,
Vibrando na harpa do profeta o canto…
Não vês?… Do seio me goteja o pranto
Qual da torrente do Cédron deserto!…
Como lutara o patriarca incerto
Lutei, meu anjo, mas caí vencido.
Eu sou o lótus para o chão pendido.
Vem ser o orvalho oriental, brilhante!.
Ai! guia o passo ao viajor perdido,
Estrela vésper do pastor errante!…
Quem dá aos pobres,
empresta a Deus.
Eu, Que a pobreza de meus pobres cantos
Dei aos heróis—aos miseráveis grandes—,
Eu, que sou cego, —mas só peço luzes…
Que sou pequeno, — mas só fito os Andes….
Canto nest’hora, como o bardo antigo
Das priscas eras, que bem longe vão,
O grande nada dos heróis, que dormem
Do vasto pampa no funéreo chão…
Duas grandezas neste instante cruzam-se!
Duas realezas hoje aqui se abraçam!…
Uma—é um livro laureado em luzes…
Outra— uma espada, onde os lauréis se enlaçam.
Nem cora o livro de ombrear coto sabre…
Nem cora o sabre de chamá-lo irmão…
Quando em loureiros se biparte o gládio
Do vasto pampa no funéreo chão.
E foram grandes teus heróis, ó pátria,
—Mulher fecunda, que não cria escravos —,
Que ao trom da guerra soluçaste aos filhos:
“Parti — soldados, mas voltei-me — bravos!
E qual Moema desgrenhada, altiva,
Eis tua prole, que se arroja então,
De um mar de glórias apartando as vagas
Do vasto pampa no funéreo chão.
E esses Leandros do Helesponto novo
Se resvalaram — foi no chão da história…
Se tropeçaram — foi na eternidade…
Se naufragaram—foi no mar da glória…
E hoje o que resta dos heróis gigantes?…
Aqui — os filhos que vos pedem pão…
Além — a ossada, que branqueia a lua,
Do vasto pampa no funéreo chão.
Ai! quantas vezes a criança loura
Seu pai procura pequenina e nua,
E vai, brincando co’o vetusto sabre,
Sentar-se à espera no portal da rua…
Mísera mãe, sobre teu peito aquece
Esta avezinha, que não tem mais pão!…
Seu pai descansa — fulminado cedro —
Do vasto pampa no funéreo chão.
Mas, já que as águias lá no sul tombaram
E os filhos d’águias o Poder esquece…
“‘E grande, é nobre, é gigantesco, é santo!…
Lançai— a esmola, e colhereis—a prece!.
Oh! dai a esmola… que do infante lindo
Por entre os dedos da pequena mão,
Ela transborda… e vai cair nas tumbas
Do vasto pampa no funéreo chão.
Há duas cousas neste mundo santas:
—O rir do infante, —o descansar do morto..
O berço—é a barca, que encalhou na vida,
A cova —é a barca do sidéreo porto…
E vós dissestes para o berço—Avante!—
Enquanto os nautas, que ao Eterno vão,
Os ossos deixam, qual na praia as ancoras,
Do vasto pampa no funéreo chão.
É santo o laço, em qu’hoje aqui s’estreitam
De heróicos troncos—os rebentos novos—!
É que são gêmeos dos heróis os filhos,
Inda que filhos de diversos povos!
Sim! me parece que nest’hora augusta
Os mortos saltam da feral mansão…
E um “bravo!” altivo de além-mar partindo
Rola do pampa no funéreo chão!…
O Laço de Fita
Não sabes crianças? ‘Stou louco de amores…
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.
Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.
Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.
E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh’alma se embate, se irrita…
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!
Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes…
Mas tu… tens por asas
Um laço de fita.
Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios…
Beijava-te apenas…
Teu laço de fita.
Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N’alcova onde a vela ciosa… crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu… fico preso
No laço de fita.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova… formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c’roa…
Teu laço de fita.
Ahasverus e o Gênio
AO POETA E AMIGO J. FELIZARDO JÚNIOR
Sabes quem foi Ahasverus?. .. —o precito,
O mísero Judeu, que tinha escrito
Na fronte o selo atroz!
Eterno viajor de eterna senda…
Espantado a fugir de tenda em tenda,
Fugindo embalde à vingadora voz!
Misérrimo! Correu o mundo inteiro,
E no mundo tão grande… o forasteiro
Não teve onde… pousar.
Co’a mão vazia—viu a terra cheia.
O deserto negou-lhe —o grão de areia.
A gota d’água —rejeitou-lhe o mar.
D’Asia as florestas—lhe negaram sombra
A savana sem fim—negou-lhe alfombra.
O chão negou-lhe o pó!…
Tabas, serralhos, tendas e solares…
Ninguém lhe abriu a porta de seus lares
E o triste seguiu só.
Viu povos de mil climas, viu mil raças,
E não pôde entre tantas populaças
Beijar uma só mão…
Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,
Desde a inglesa à crioula das Antilhas
Não teve um coração!…
E caminhou!… E as tribos se afastavam
E as mulheres tremendo murmuravam
Com respeito e pavor.
Ai! Fazia tremer do vale à serra. ..
Ele que só pedia sobre a terra
— Silêncio, paz e amor! —
No entanto à noite, se o Hebreu passava,
Um murmúrio de inveja se elevava,
Desde a flor da campina ao colibri.
“Ele não morre”, a multidão dizia…
E o precito consigo respondia:
— “Ai! mas nunca vivi!” —
O Gênio é como Ahasverus… solitário
A marchar, a marchar no itinerário
Sem termo do existir.
Invejado! a invejar os invejosos.
Vendo a sombra dos álamos frondosos…
E sempre a caminhar… sempre a seguir…
Pede u’a mão de amigo—dão-lhe palmas:
Pede um beijo de amor— e as outras almas
Fogem pasmas de si.
E o mísero de glória em glória corre…
Mas quando a terra diz: — “Ele não morre”
Responde o desgraçado:—”Eu não vivi!. . .”
Mocidade e Morte
E porto avisto o porto
Imermo, nebuloso, o sempre noite
Cahmado—Eternidade. —
Laurindo.
Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate.
Dante.
Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n’amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma…
Nos seus beijos de fogo há tanta vida…
Árabe errante, vou dormir à tarde
A sombra fresca da palmeira erguida.
Mas uma vez responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.
Morrer… quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem…
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher—camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas…
E a mesma vez repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: —impossível!
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! —brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete—avante!—
O futuro… o futuro… no seu seio…
Entre louros e bênçãos dorme a glórial
Após—um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.
E a mesma voz repete funerária: —
Teu Panteon—a pedra mortuária!
Morrer—é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nas guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
—Voz da morte, que a morte lhe lamenta—
Ai! morrer —é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.
Ver tudo findo… só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome
E eu sei que vou morrer… dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo— que vaga sobre o chão da morte,
Morto—entre os vivos a vagar na terra.
Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito! —
E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita…
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida— novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa…
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O ‘stilete de Deus quebra-me a taça.
É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.
Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa…
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória—nada, por amor—a campa.
Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!..
Ao Dous de Julho
(Recitada no Teatro S. João)
É a hora das epopéias,
Das Ilíadas reais.
Ruge o vento—do passado
Pelos mares sepulcrais.
É a hora, em que a Eternidade
Dialoga a Imortalidade…
Fala o herói com Jeová!…
E Deus — nas celestes plagas —
Colhe da glória nas vagas
Os mortos de Pirajá.
Há destes dias augustos
Na tumba dos Briaréus.
Como que Deus baixa à terra
Sem mesmo descer dos céus.
É que essas lousas rasteiras
São — gigantes cordilheiras
Do Senhor aos olhos nus.
É que essas brancas ossadas
São—colunas arrojadas
Dos infinitos azuis.
Sim! Quando o tempo entre os dedos
Quebra um séc’lo, uma nação…
Encontra nomes tão grandes,
Que não lhe cabem na mão!…
Heróis! Como o cedro augusto
Campeia rijo e vetusto
Dos séc’los ao perpassar,
Vós sois os cedros da História,
A cuja sombra de glória
Vai-se o Brasil abrigar.
E nós, que somos faíscas
Da luz desses arrebóis,
Nós, que somos borboletas
—Das crisálidas de avós,
Nós, que entre as bagas dos cantos,
Por entre as gotas dos prantos
Inda os sabemos chorar,
Podemos dizer: “Das campas
Sacudi as frias tampas!
Vinde a Pátria abençoar!…”
Erguei-vos, santos fantasmas!
Vós não tendes que corar…
(Porque eu sei que o filho torpe
Faz o morto soluçar. . . )
Gemem as sombras dos Gracos,
Dos Catões, dos Espartacos
Vendo seus filhos tão vis…
Dize-o tu, soberbo Mário!
Tu, que ensopas o sudário
Vendo Roma—meretriz!…
Ai! Que lágrimas candentes
Choram órbitas sem luz! —
Que idéia terá Leônidas
Vendo Esparta nos pauis?!…
Alta noite, quando pena
Sobre Árcole, sobre Iena,
Bonaparte—o rei dos reis—,
Que dor d’alma lhe rebenta.
Ao ver su’águia sangrenta
No sabre de Juarez!?…
Porém aqui não há grito,
Nem pranto, nem ai, nem dor…
O presente não desmente
Do seu ninho de condor…
Mãos, que, outrora de crianças
A rir— dentaram as lanças
Dos velhos de Pirajá….
De homens hoje, as empunhando,
Nas batalhas afiando,
Vão caminho de Humaitá!…
Basta!… Curvai-vos, ó povo!…
Ei-los os vultos sem par,
Só de joelhos podemos
Nest’hora augusta fitar
Riachuelo e Cabrito,
Que sobem para o infinito
Como jungidos leões,
Puxando os carros dourados
Dos meteoros largados
Sobre a noite das nações.
Os Três Amores
I
Minh’alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora…
Sou Tasso!… a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora…
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes. ..
— Tu és Eleonora…
II
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu… teu lânguido poeta!…
Sonho-te às vezes virgem… seminua…
Roubo-te um casto beijo à luz da lua…
— E tu és Julieta…
III
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola…
Sou D. Juan!… Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha…
Eu morro, se desfaço-te a mantilha…
Tu és—Júlia, a Espanhola!. . .
O Fantasma e a Canção
Orgulho! desce os olhos dos céus
sobre ti mesmo, e vê como os nomes
mais poderosos vão se refugiar numa
canção.
BYRON.
— Quem bate? —”A noite é sombrio!”
—Quem bate?—”É rijo o tufão!…
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão.
” —Quem bate?—”O nome qu’importa?
Chamo-me dor… abre a porta!
Chamo-me frio… abre o lar!
Dá-me pão… chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!”
— Mendigo! podes passar!
“Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?”—Talvez.
—”Olha… Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c’roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado —já foi cetro!
Meus trapos — manto real!”
—Senhor, minha casa é pobre…
Ide bater a um solar!
—”De lá venho… O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!… Reinava a orgia!…
Festa’ Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!”
—Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
—”Silêncio! De longe eu venho. . .
Também meu túmulo morreu.
O séc’lo—traça que medra
Nos livros feitos de pedra —
Rói o mármore, cruel.
O tempo—Atila terrível
Quebra cota pata invisível
Sarcófago e capitel.
“Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Solon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon…
O motim —Nero profano—
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!
‘Então, nas sombras infindas,
S’esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão…
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!
“Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!…
—”Entra!—: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
—”Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso—é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe —é a púrpura extrema,
Último trono—é o poema!
Último asilo— a Canção!. . . ”

Hebréia

Flos campi et lilium convallium
Cântico dos Cânticos
Pomba d’esp’rança sobre um mar d’escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!
Ramo de murta a recender cheirosa!…
Tu és, ó filha de Israel formosa…
Tu és, ó linda, sedutora Hebréia…
Pálida rosa da infeliz Judéia
Sem ter o orvalho, que do céu deriva!
Por que descoras, quando a tarde esquiva
Mira-se triste sobre o azul das vagas?
Serão saudades das infindas plagas,
Onde a oliveira no Jordão se inclina?
Sonhas acaso, quando o sol declina,
A terra santa do Oriente imenso?
E as caravanas no deserto extenso?
E os pegureiros da palmeira à sombra?!…
Sim, fora belo na relvosa alfombra,
Junto da fonte, onde Raquel gemera,
Viver contigo qual Jacó vivera
Guiando escravo teu feliz rebanho..
Depois nas águas de cheiroso banho
— Como Susana a estremecer de frio—
Fitar-te, ó flor do babilônio rio,
Fitar-te a medo no salgueiro oculto…
Vem pois!… Contigo no deserto inculto,
Fugindo às iras de Saul embora,
Davi eu fora,-se Micol tu foras,
Vibrando na harpa do profeta o canto…
Não vês?… Do seio me goteja o pranto
Qual da torrente do Cédron deserto!…
Como lutara o patriarca incerto
Lutei, meu anjo, mas caí vencido.
Eu sou o lótus para o chão pendido.
Vem ser o orvalho oriental, brilhante!.
Ai! guia o passo ao viajor perdido,
Estrela vésper do pastor errante!…

Hino ao sono

Ó Sono! Ó noivo pálido
Das noites perfumosas,
Que um chão de nebulosas
Trilhas pela amplidão!
Em vez de verdes pâmpanos,
Na branca fronte enrolas
As lânguidas papoulas,
Que agita a viração.
Nas horas solitárias,
Em que vagueia a lua,
E lava a planta nua
Na onda azul do mar,
Com um dedo sobre os lábios
No vôo silencioso,
Vejo-te cauteloso
No espaço viajar!
Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito,
Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica
De angústia e dor não geme…
É tua mão que espreme
A dormideira ali.
Em tua branca túnica
Envolves meio mundo.
E teu seio fecundo
De sonhos e visões,
Dos templos aos prostíbulos
Desde o tugúrio ao Paço,
Tu lanças lá do espaço
Punhados de ilusões!…
Da vide o sumo rúbido,
Do hatchiz a essência,
O ópio, que a indolência
Derrama em nosso ser,
Não valem, gênio mágico,
Teu seio, onde repousa
A placidez da lousa
E o gozo de viver…
Ó sono! Unge-me as pálpebras..
Entorna o esquecimento
Na luz do pensamento,
Que abrasa o crânio meu.
Como o pastor da Arcádia,
Que uma ave errante aninha…
Minh’alma é uma andorinha…
Abre-lhe o seio teu.
Tu, que fechaste as pétalas
Do lírio, que pendia,
Chorando a luz do dia
E os raios do arrebol,
Também fecha-me as pálpebras…
Sem Ela o que é a vida?
Eu sou a flor pendida
Que espera a luz do sol.
O leite das eufórbias
P’ra mim não é veneno…
Ouve-me, ó Deus sereno!
Ó Deus consolador!
Com teu divino bálsamo
Cala-me a ansiedade!
Mata-me esta saudade,
Apaga-me esta dor.
Mas quando, ao brilho rútilo
Do dia deslumbrante,
Vires a minha amante
Que volve para mim,
Então ergue-me súbito…
É minha aurora linda…
Meu anjo… mais ainda…
É minha amante enfim!
Ó sono! Ó Deus noctívago!
Doce influência amiga!
Gênio que a Grécia antiga
Chamava de Morfeu,
Ouve!… E se minhas súplicas
Em breve realizares…
Voto nos teus altares
Minha lira de Orfeu!

História de um crime

“Fazem hoje muitos anos
Que de uma escura senzala
Na estreita e lodosa sala
Arquejava u’a mulher.
Lá fora por entre as urzes
O vendaval s’estorcia…
E aquela triste agonia
Vinha mais triste fazer.
“A pobre sofria muito.
Do peito cansado, exangue,
Às vezes rompia o sangue
E lhe inundava os lençóis.
Então, como quem se agarra
Às últimas esperanças,
Duas pávidas crianças
Ela olhava… e ria após.
“Que olhar! que olhar tão extenso!
Que olhar tão triste e profundo!
Vinha já de um outro mundo,
Vinha talvez lá do céu.
Era o raio derradeiro.
Que a lua, quando se apaga,
Manda por cima da vaga
Da espuma por entre o véu.
“Ainda me lembro agora
Daquela noite sombria,
Em que u’a mulher morria
Sem rezas, sem oração!…
Por padre — duas crianças…
E apenas por sentinela
Do Cristo a face amarela
No meio da escuridão.
“Às vezes naquela fronte
Como que a morte pousava
E da agonia aljofrava
O derradeiro suor…
Depois acordava a mártir,
Como quem tem um segredo…
Ouvia em torno com medo,
Com susto olhava em redor.
“Enfim, quando noite velha
Pesava sobre a mansarda,
E somente o cão de guarda
Ladrava aos ermos sem fim,
Ela, nos braços sangrentos
As crianças apertando,
Num tom meigo, triste e brando
Pôs-se a falar-lhes assim.

Immensis orbitus anguis

Sibila lambebant linguis vibranlibas ora.
VIRGÍLIO
I
Resvala em fogo o sol dos montes sobre a espalda,
E lustra o dorso nu da índia americana…
Na selva zumbe entanto o inseto de esmeralda,
E pousa o colibri nas flores da liana.
Ali — a luz cruel, a calmaria intensa!
Aqui — a sombra, a paz, os ventos, a cascata…
E a pluma dos bambus a tremular imensa…
E o canto de aves mil… e a solidão… e a mata…
E à hora em que, fugindo aos raios da esplanada,
A Indígena, a gentil matrona do deserto
Amarra aos palmeirais a rede mosqueada,
Que, leve como um berço, embala o vento incerto…
Então ela abandona-lhe ao beijo apaixonado
A perna a n ais formosa-o corpo o mais macio,
E, as pálpebras cerrando, ao filho bronzeado
Entrega um seio nu, moreno, luzidio.
Porém, dentre os espatos esguios do coqueiro,
Do verde gravata nos cachos reluzentes,
Enrosca-se e desliza um corpo sorrateiro
E desce devagar pelos cipós pendentes.
E desce… e desce mais… à rede já se chega…
Da índia nos cabelos a longa cauda some…
Horror! aquele horror ao peito eis que se apega!
A baba — quer o leite! — A chaga — sente fome!
O veneno-quer mel! A escama quer a pele!
Quer o almíscar-perfume!-O imundo quer-o belo!
A língua do reptil-lambendo o seio imbele!…
Uma cobra-por filho… Horrível pesadelo!…
II
Assim, minh’alma, assim um dia adormeceste
Na floresta ideal da ardente mocidade…
Abria a fantasia— a pétala celeste…
Zumbia o sonho d’ouro em doce obscuridade…
Assim, minh’alma deste o seio (ó dor imensa!)
Onde a paixão corria indômita e fremente!
Assim bebeu-te a vida, a mocidade e a crença,
Não boca de mulher… mas de fatal serpente!…

Jesuítas

Ó mes frères, je viens vous apporter mon Dieu,
Je viens vous apporter ma tête!
V. HUGO (Chatiments)
Quando o vento da Fé soprava Europa,
Como o tufão, que impele ao ar a tropa
Das águias, que pousavam no alcantil;
Do zimbório de Roma — a ventania
O bando dos Apost’los sacudia
Aos cerros do Brasil.
Tempos idos! Extintos luzimentos!
O pó da catequese aos quatro ventos
Revoava nos céus…
Floria após na Índia, ou na Tartária,
No Mississipi, no Peru, na Arábia
Uma palmeira — Deus! —
O navio maltês, do Lácio a vela,
A lusa nau, as quinas de Castela,
Do Holandês a galé
Levava sem saber ao mundo inteiro
Os vândalos sublimes do cordeiro,
Os átilas da fé.
Onde ia aquela nau? Ao Oriente.
A outra? Ao pólo. A outra? Ao ocidente.
Outra? Ao norte. Outra? Ao sul.
E o que buscava? A foca além no pólo;
O âmbar, o cravo no indiano solo
Mulheres em ‘Stambul.
Grandes homens! Apóstolos heróicos!…
Eles diziam mais do que os estóicos:
“Dor, — tu és um prazer!
“Grelha, és um leito! Brasa, és uma gema!
Cravo, és um cetro! Chama, um diadema
Ó morte, és o viver!”
Outras vezes no eterno itinerário
O sol, que vira um dia no Calvário
Do Cristo a santa cruz,
Enfiava de vir achar nos Andes
A mesma cruz, abrindo os braços grandes
Aos índios rubros, nus.
Eram eles que o verbo do Messias
Pregavam desde o vale às serranias,
Do pólo ao Equador…
E o Niagara ia contar aos mares…
E o Chimborazo arremessava aos ares
O nome do Senhor!…

Loucura divina

— “Sabes que voz é esta?”
Ela cismava!…
— “Sabes, Maria?
— “É uma canção de amores.
Que além gemeu!”
— “É o abismo, criança!…”
A moça rindo
Enlaçou-lhe o pescoço:
— “Oh! não! não mintas!
Bem sei que é o céu!”
— “Doida! Doida! É a voragem que nos chama!…”
— “Eu ouço a Liberdade!”
— “É a morte, infante!”
— “Erraste. É a salvação!”
— “Negro fantasma é quem me embala o esquife!”
— “Loucura! É tua Mãe… O esquife é um berço,
Que bóia n’amplidão!…”
— “Não vês os panos d’água como alvejam
Nos penedos? Que gélido sudário
O rio nos talhou!”
— “Veste-me o cetim branco do noivado…
Roupas alvas de prata… albentes dobras…
Veste-me!… Eu aqui estou.”
— Já na proa espadana, salta a espuma…
— São as flores gentis da laranjeira
Que o pego vem nos dar…
Oh! névoa! Eu amo teu sendal de gaze!…
Abram-se as ondas como virgens louras,
Para a Esposa passar!…
“As estrelas palpitam! — São as tochas!
Os rochedos murmuram!… São os monges!
Reza um órgão nos céus!
Que incenso! — Os rolos que do abismo voam!
Que turíbulo enorme — Paulo Afonso!
Que sacerdote! — Deus…”
À beira do abismo e do infinito
A celeste Africana, a Virgem-Noite
Cobria as faces… Gota a gota os astros
Caíam-lhe das mãos no peito seu…
… Um beijo infindo suspirou nos ares…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
A canoa rolava!… Abriu-se a um tempo
O precipício!… e o céu!…
Santa Isabel, 12 de julho de 1870

Lucas

Quem fosse naquela hora,
Sobre algum tronco lascado
Sentar-se no descampado
Da solitária ladeira,
Veria descer da serra,
Onde o incêndio vai sangrento,
A passo tardio e lento,
Um belo escravo da terra
Cheio de viço e valor…
Era o filho das florestas!
Era o escravo lenhador!
Que bela testa espaçosa,
Que olhar franco e triunfante!
E sob o chapéu de couro
Que cabeleira abundante!
De marchetada jibóia
Pende-lhe a rasto o facão…
E assim… erguendo o machado
Na larga e robusta mão…
Aquele vulto soberbo,
— Vivamente alumiado, —
Atravessa o descampado
Como uma estátua de bronze
Do incêndio ao fulvo clarão.
Desceu a encosta do monte,
Tomou do rio o caminho…
E foi cantando baixinho
Como quem canta p’ra si.
Era uma dessas cantigas
Que ele um dia improvisara,
Quando junto da coivara
Faz-se o Escravo — trovador.
Era um canto languoroso,
Selvagem, belo, vivace,
Como o caniço que nasce
Sob os raios do Equador.
Eu gosto dessas cantigas,
Que me vem lembrar a infância,
São minhas velhas amigas,
Por elas morro de amor…
Deixai ouvir a toada
Do — cativo lenhador —
E o sertanejo assim solta a tirana,
Descendo lento p’ra a servil cabana…

Mãe penitente

“Ouve-me, pois!… Eu fui uma perdida;
Foi este o meu destino, a minha sorte…
Por esse crime é que hoje perco a vida,
Mas dele em breve há de salvar-me a morte!
“E minh’alma, bem vês, que não se irrita,
Antes bendiz estes mandões ferozes.
Eu seria talvez por ti maldita,
Filho! sem o batismo dos algozes!
“Porque eu pequei… e do pecado escuro
Tu foste o fruto cândido, inocente,
— Borboleta, que sai do — lodo impuro…
— Rosa, que sai de — pútrida semente!
“Filho! Bem vês… fiz o maior dos crimes
— Criei um ente para a dor e a fome!
Do teu berço escrevi nos brancos vimes
O nome de bastardo — impuro nome.
“Por isso agora tua mãe te implora
E a teus pés de joelhos se debruça.
Perdoa à triste — que de angústia chora,
Perdoa à mártir — que de dor soluça!
“Mas um gemido a meus ouvidos soa…
Que pranto é este que em meu seio rola?
Meu Deus, é o pranto seu que me perdoa…
Filho, obrigada pela tua esmola!”

Maria

Onde vais à tardezinha,
Mucama tão bonitinha,
Morena flor do sertão?
A grama um beijo te furta
Por baixo da saia curta,
Que a perna te esconde em vão…
Mimosa flor das escravas!
O bando das rolas bravas
Voou com medo de ti!…
Levas hoje algum segredo…
Pois te voltaste com medo
Ao grito do bem-te-vi!
Serão amores deveras?
Ah! Quem dessas primaveras
Pudesse a flor apanhar!
E contigo, ao tom d’aragem,
Sonhar na rede selvagem…
À sombra do azul palmar!
Bem feliz quem na viola
Te ouvisse a moda espanhola
Da lua ao frouxo clarão…
Com a luz dos astros — por círios,
Por leito — um leito de lírios…
E por tenda — a solidão!

Mocidade e morte

E porto avisto o porto
Imermo, nebuloso, o sempre noite
Chamado — Eternidade. —
Laurindo.
Lasciate ogni speranza, voi
ch’entrate.
Dante.
Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama
os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n’amplidão
dos mares.
No seio da mulher há tanto
aroma…
Nos seus beijos de fogo há
tanta vida…
Árabe errante, vou dormir à
tarde
A sombra fresca da palmeira
erguida.
Mas uma vez responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.
Morrer… quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem…
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher-camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas…
E a mesma vez repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!
Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete-avante!—
O futuro… o futuro… no seu seio…
Entre louros e bênçãos dorme a glórial
Após-um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.
E a mesma voz repete funerária: —
Teu Panteon-a pedra mortuária!
Morrer-é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nas guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta—
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.
Ver tudo findo… só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome
E eu sei que vou morrer… dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo— que vaga sobre o chão da morte,
Morto-entre os vivos a vagar na terra.
Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito! —
E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita…
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida— novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa…
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O ‘stilete de Deus quebra-me a taça.
É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.
Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa…
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória-nada, por amor-a campa.
Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!..

Mudo e quedo

E calado ficou… De pranto as bagas
Pelo moreno rosto deslizaram,
qual da braúna, que o machado fere,
Lágrimas saltam de um sabor amargo.
Mudos, quedos os dois neste momento
Mergulhavam no dédalo d’angústia,
No labirinto escuro que desgraça…
Labirinto sem luz, sem ar, sem fio…
Que dor, que drama torvo de agonias
Não vai naquelas almas!… Dor sombria
De ver quebrado aquele amor tão santo,
De lembrar que o passado está passado…,
Que a esperança morreu, que surge a morte!…
Tanta ilusão!… tanta carícia meiga!…
Tanto castelo de ventura feito
À beira do riacho, ou na campanha!…
Tanto êxtase inocente de amorosos!…
Tanto beijo na porta da choupana,
Quando a lua invejosa no infinito
Com uma bênção de luz sagrava os noivos!…
Não mais! não mais! O raio, quando esgalha
O ipê secular, atira ao longe
Flores, que há pouco se beijavam n’hástea,
Que unidas nascem, juntas viver pensam,
E que jamais na terra hão de encontrar-se!
_______________
Passou-se muito tempo… Rio abaixo
A canoa corria ao tom das vagas.
De repente ele ergueu-se hirto, severo,
— O olhar em fogo, o riso convulsivo —
Em golfadas lançando a voz do peito!…
“Maria! — diz-me tudo… Fala! fala
Enquanto eu posso ouvir… Criança, escuta!
Não vês o rio?… é negro!… é um leito fundo…
A correnteza, estrepitando, arrasta
Uma palmeira, quanto mais um homem!…
Pois bem! Do seio túrgido do abismo
Há de romper a maldição do morto;
Depois o meu cadáver negro, lívido,
Irá seguindo a esteira da canoa
Pedir-te inda que fales, desgraçada,
Que ao morto digas o que ao vivo ocultas!…”
Era tremenda aquela dor selvagem,
Que rebentava enfim, partindo os diques
Na fúria desmedida!…
Em meio às ondas
Ia Lucas rolar
Um grito fraco,
Uma trêmula mão susteve o escravo…
E a pálida criança, desvairada,
Aos pés caiu-lhe a desfazer-se em pranto.
Ela encostou-se ao peito do selvagem
— Como a violeta, as faces escondendo
Sob a chuva noturna dos cabelos — !
Lenta e sombria após contou destarte
A treda história desse tredo crime!…

Murmúrios da tarde

Écoute! tout se tait; songe à ta bien-aimée
Ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée,
Le rayon du couchant laisse un adieu plus doux,
Ce soir, tout va fleurir: I’irnmortelle nature
Se remplit de parfuns, d’amour et de murmure
Comme le lit joyeux de deux jeunes époux.
A. DE MUSSET
Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela! ‘
GARRET
Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saia,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirc’lo d’ouro,
Do céu azul na profundeza escura.
Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho-suspirava o lago…
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago…
Larga harmonia embalsamava os ares.
Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
“Sol — não me deixes”, diz a vaga extensa,
“Aura-não fujas”, diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!
“Leva-me! leva-me em teu seio amigo”
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
“Rola que foges”, diz o ninho antigo,
‘Leva-me ainda para um novo galho…
Leva-me! leva-me em teu seio amigo.”
“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio…”
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio…
“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria…
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria…
E tu no entanto no jardim vagavas.
Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga…
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!…
E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
“Colhe-me, ó virgem, não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente…
“E eu escutava o conversar das flores.
“Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!”
Também então eu murmurei cismando…
Minh’alma é rosa, que a geada esfria…
Dá-lhe em teus seios um asilo brando…
“Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!…”

Na fonte

I
“Era hoje ao meio-dia.
Nem uma brisa macia
Pela savana bravia
Arrufava os ervaçais…
Um sol de fogo abrasava;
Tudo a sombra procurava;
Só a cigarra cantava
No tronco dos coqueirais.
II
“Eu cobri-me da mantilha,
Na cabeça pus a bilha,
Tomei do deserto a trilha,
Que lá na fonte vai dar.
Cansada cheguei na mata:
Ali, na sombra, a cascata
As alvas tranças desata
Como u’a moça a brincar.
III
“Era tão densa a espessura!
Corria a brisa tão pura!
Reinava tanta frescura,
Que eu quis me banhar ali.
Olhei em roda… Era quedo
O mato, o campo, o rochedo…
Só nas galhas do arvoredo
Saltava alegre o sagüi.
IV
“Junto às águas cristalinas
Despi-me louca, traquinas,
E as roupas alvas e finas
Atirei sobre os cipós.
Depois mirei-me inocente,
E ri vaidosa… e contente…
Mas voltei-me de repente…
Como que ouvira uma voz!
V
“Quem foi que passou ligeiro,
Mexendo ali no ingazeiro,
E se embrenhou no balceiro,
Rachando as folhas do chão?…
Quem foi?! Da mata sombria
Uma vermelha cutia
Saltou tímida e bravia,
Em procura do sertão.
VI
“Chamei-me então de criança;
A meus pés a onda mansa
Por entre os juncos s’entrança
Como uma cobra a fugir!
Mergulho o pé docemente;
Com o frio fujo à corrente…
De um salto após de repente
Fui dentro d’água cair.
VII
“Quando o sol queima as estradas,
E nas várzeas abrasadas
Do vento as quentes lufadas
Erguem novelos de pó,
Como é doce em meio às canas,
Sob um teto de lianas,
Das ondas nas espadanas
Banhar-se despida e só!…
VIII
“Rugitavam os palmares…
Em torno dos nenufares
Zumbiam pejando os ares
Mil insetos de rubim…
Eu naquele leito brando
Rolava alegre cantando…
Súbito… um ramo estalando
Salta um homem junto a mim!”

Na margem

“Vamos! Vamos! Aqui por entre os juncos
Ei-la a canoa em que eu pequena outrora
Voava nas maretas… Quando o vento,
Abrindo o peito à camisinha úmida,
Pela testa enrolava-me os cabelos,
Ela voava qual marreca brava
No dorso crespo da feral enchente!
Voga, minha canoa! Voga ao largo!
Deixa a praia, onde a vaga morde os juncos
Como na mata os caititus bravios…
Filha das ondas! andorinha arisca!
Tu, que outrora levavas minha infância
— Pulando alegre no espumante dorso
Dos cães-marinhos a morder-te a proa, —
Leva-me agora a mocidade triste
Pelos ermos do rio ao longe… ao longe…”
Assim dizia a Escrava…
Iam caindo
Dos dedos do crepúsc’lo os véus de sombra,
Com que a terra se vela como noiva
Para o doce himeneu das noites límpidas…
Lá no meio do rio, que cintila,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa.
Parecia, assim vista ao sol poente,
Esses ninhos, que tombam sobre o rio,
E onde em meio das flores vão chilrando
— Alegres sobre o abismo — os passarinhos!…
Tu — guardas algum segredo?…
Maria, ‘stás a chorar!
Onde vais? Por que assim foges,
Rio abaixo a deslizar?
Pedra — não tens o teu musgo?
Não tens um favônio — flor?
Estrela — não tens um lago?
Mulher — não tens um amor?

No Álbum do artista

Nos tempos idos… O alabastro, o mármore
Reveste as formas desnuadas, mádidas
De Vênus ou Friné.
Nem um véu p’ra ocultar o seio trêmulo,
Nem um tirso a velar a coxa pálida…
O olhar não sonha… vê!
Um dia o artista, num momento lúcido,
Entre gazas de pedra a loura Aspásia
Amoroso envolveu.
Depois, surpreso!… viu-a inda mais lânguida…
Sonhou mais doido aquelas formas lúbricas…
Mais nuas sob um véu.
E o mistério do espírito… A modéstia
E dos talentos reis a santa púrpura…
Artista, és belo assim…
Este santo pudor é só dos gênios! —
Também o espaço esconde-se entre névoas…
E no entanto é… sem fim!

No barco

— Lucas! — Maria! murmuraram juntos…
E a moça em pranto lhe caiu nos braços.
Jamais a parasita em flóreos laços
Assim ligou-se ao piquiá robusto…
Eram-lhe as tranças a cair no busto
Os esparsos festões da granadilha…
Tépido aljofar o seu pranto brilha,
Depois resvala no moreno seio…
Oh! doces horas de suave enleio!
Quando o peito da virgem mais arqueja,
Como o casal da rola sertaneja,
Se a ventania lhe sacode o ninho.
Cantai, ó brisas, mas cantai baixinho!
Passai, ó vagas…, mais passai de manso!
Não perturbeis-lhe o plácido remanso,
Vozes do ar! emanações do rio!
“Maria, fala!” — “Que acordar sombrio”,
Murmura a triste com um sorriso louco,
“No Paraíso eu descansava um pouco…
Tu me fizeste despertar na vida …
“Por que não me deixaste assim pendida
Morrer co’a fronte oculta no teu peito?
Lembrei-me os sonhos do materno leito
Nesse momento divinal… Qu’importa?…
“Toda esperança para mim ‘sta morta…
Sou flor manchada por cruel serpente…
Só de encontro nas rochas pode a enchente
Lavar-me as nódoas, m’esfolhando a vida.
“Deixa-me! Deixa-me a vagar perdida…
Tu! — Parte! Volve para os lares teus.
Nada perguntes… é um segredo horrível…
Eu te amo ainda… mas agora — adeus!”

No monte

“Parei… Volvi em torno os olhos assombrados…
Ninguém! A solidão pejava os descampados…
Restava inda um segundo… um só p’ra me salvar;
Então reuni as forças, ao céu ergui o olhar…
E do peito arranquei um pavoroso grito,
Que foi bater em cheio às portas do infinito!
Ninguém! Ninguém me acode… Ai! só de monte em monte
Meu grito ouvi morrer na extrema do horizonte!…
Depois a solidão ainda mais calada
Na mortalha envolveu a serra descampada!…
“Ai! que pode fazer a rola triste
Se o gavião nas garras a espedaça?
Ai! que faz o cabrito do deserto,
Quando a jibóia no potente aperto
Em roscas férreas o seu corpo enlaça?
“Fazem como eu?… Resistem, batem, lutam,
E finalmente expiram de tortura.
Ou, se escapam trementes, arquejantes,
Vão, lambendo as feridas gotejantes,
Morrer à sombra da floresta escura!…
“E agora está concluída
Minha história desgraçada.
Quando caí — era virgem!
Quando ergui-me — desonrada!”

Nos campos

“Fugi desvairada!
Na moita intrincada,
Rasgando uma estrada,
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo
Meus negros cabelos,
E os seios cobrindo
Com os trêmulos dedos,
Ligeira voei!
“Saltei as torrentes.
Trepei dos rochedos
Aos cimos ardentes,
Nos ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos,
Meus passos mesquinhos
Com sangue marquei!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Avante! corramos!
Corramos ainda!…
Da selva nos ramos
A sombra é infinda.
A mata possante
Ao filho arquejante
Não nega um abrigo…
Corramos ainda!
Corramos! avante!
“Debalde! A floresta
— Madrasta impiedosa —
A pobre chorosa
Não quis abrigar!
“Pois bem! Ao deserto!
“De novo, é loucura!
Seguindo meus traços
Escuto seus passos
Mais perto! mais perto!
Já queima-me os ombros
Seu hálito ardente.
Já vejo-lhe a sombra
Na úmida alfombra…
Qual negra serpente,
Que vai de repente
Na presa saltar!…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Na douda
Corrida,
Vencida,
Perdida,
Quem me há de salvar?”

O adeus de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta
a correnteza,
A valsa nos levou nos giros
seus…
E amamos juntos… E depois
na sala
“Adeus” eu disse-lhe
a tremer co’a fala…
E ela, corando, murmurou-me: “adeus.”
Uma noite… entreabriu-se um reposteiro…
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus…
Era eu… Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa…
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”
Passaram tempos… sec’los de delírio
Prazeres divinais… gozos do Empíreo…
… Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse — “Voltarei!… descansa!…
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”
Quando voltei… era o palácio em festa!…
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!… Ela me olhou branca… surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!…
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”

O baile na flor

Que belas as margens do rio possante,
Que ao largo espumante campeia sem par!…
Ali das bromélias nas flores doiradas
Há silfos e fadas, que fazem seu lar…
E, em lindos cardumes,
Sutis vaga-lumes
Acendem os lumes
P’ra o baile na flor.
E então — nas arcadas
Das pet’las doiradas,
Os grilos em festa
Começam na orquesta
Febris a tocar…
E as breves
Falenas
Vão leves,
Serenas,
Em bando
Girando,
Valsando,
Voando
No ar!…

O bandolim da desgraça

Quando de amor a Americana douda
A moda tange na febril viola,
E a mão febrenta sobre a corda fina
Nervosa, ardente, sacudida rola.
A gusla geme, s’estorcendo em ânsias,
Rompem gemidos do instrumento em pranto…
Choro indizível… comprimir de peitos…
Queixas, soluços… desvairado canto!
E mais dorida a melodia arqueja!
E mais nervosa corre a mão nas cordas!…
Ai! tem piedade das crianças louras
Que soluçando no instrumento acordas!…
“Ai! tem piedade dos meus seios trêmulos…”
Diz estalando o bandolim queixoso.
… E a mão palpita-lhe apertando as fibras…
E fere, e fere em dedilhar nervoso!…
Sobre o regaço da mulher trigueira,
Doida, cruel, a execução delira!…
Então — co’as unhas cor-de-rosa, a moça,
Quebrando as cordas, o instrumento atira!…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . .
Assim, Desgraça, quando tu, maldita!
As cordas d’alma delirante vibras…
Como os teus dedos espedaçam rijos
Uma por uma do infeliz as fibras!
— Basta —, murmura esse instrumento vivo.
— Basta —, murmura o coração rangendo,
E tu, no entanto, num rasgar de artérias,
Feres lasciva em dedilhar tremendo.
Crença, esperança, mocidade e glória,
Aos teus arpejos, — gemebundas morrem!…
Resta uma corda… — a dos amores puros — …
E mais ardentes os teus dedos correm!…
E quando farta a cortesã cansada
A pobre gusla no tapete atira,
Que resta?… — Uma alma — que não tem mais vida!
Olhos — sem pranto! Desmontada — lira!!!

O Coração

O Coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um-tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.
O outro-voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças,
Vive do aroma-que se diz-amor.

O crepúsculo sertanejo

A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro…
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo! Marulho gigante!
Talvez um — silêncio!… Talvez uma — orquestra…
Da folha, do cálix, das asas, do inseto…
Do átomo — à estrêla… do verme — à
floresta!…
As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas, — da brisa ao açoite —;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co’as penas da noite!
Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes, daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos — um touro selvagem.
Então as marrecas, em torno boiando,
O vôo encurvavam medrosas, à toa…
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…

O fantasma e a canção

Orgulho! desce os olhos dos céus
sobre ti mesmo, e vê como os nomes
mais poderosos vão se refugiar numa
canção.
BYRON
— Quem bate? — “A noite é sombrio!”
— Quem bate?-“É rijo o tufão!…
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão.
” — Quem bate?-“O nome qu’importa?
Chamo-me dor… abre a porta!
Chamo-me frio… abre o lar!
Dá-me pão… chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!”
— Mendigo! podes passar!
“Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?”-Talvez.
— “Olha… Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c’roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado — já foi cetro!
Meus trapos — manto real!”
— Senhor, minha casa é pobre…
Ide bater a um solar!
— “De lá venho… O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!… Reinava a orgia!…
Festa’ Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!”
— Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
— “Silêncio! De longe eu venho…
Também meu túmulo morreu.
O séc’lo-traça que medra
Nos livros feitos de pedra —
Rói o mármore, cruel.
O tempo, Átila terrível
Quebra cota pata invisível
Sarcófago e capitel.
“Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Sólon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon…
O motim — Nero profano—
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!
‘Então, nas sombras infindas,
S’esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão…
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!
“Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!…
— “Entra!: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
— “Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe: é a púrpura extrema,
Último trono: é o poema!
Último asilo: a Canção!…”

O gondoleiro do amor

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar…
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;
Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.
Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.
E como em noites de Itália
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.
Teu sorriso é uma aurora
Que o horizante enrubesceu ,
— Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;
Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.
Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;
Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?
Teu amor na treva é-um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa-nas calmarias,
É abrigo-no tufão;
Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor… Rosa!
Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.

O Hóspede

Choro por ver que os dias passam breves
E te esqueces de mim quando tu fores
Como as brisas que passam doudas, leves,
E não tornam atrás a ver as flores.
TEÓFILO BRAGA
Onde vais estrangeiro! Por que deixas
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto?…
“Pálido moço! Um dia tu chegaste
De outros climas, de terras bem distantes…
Era noite!… A tormenta além rugia…
Nos abetos da serra a ventania
Tinha gemidos longos, delirantes.
“Uma buzina restrugiu no vale
Junto aos barrancos onde geme o rio…
De teu cavalo o galopar soava,
E teu cão ululando replicava
Aos surdos roncos do trovão bravio.
“Entraste! A loura chama do brasido
Lambia um velho cedro crepitante,
Eras tão triste ao lume da fogueira…
Que eu derramei a lágrima primeira
Quando enxuguei teu manto gotejante!
“Onde vais, estrangeiro? Por que deixas
Esta infeliz, misérrima cabana?
Inda as aves te afagam do arvoredo…
Se quiseres… as flores do silvedo
Verás inda nas tranças da serrana.
“Queres voltar a este país maldito
Onde a alegria e o riso te deixaram?
Eu não sei tua história… mas que importa?…
… Bóia em teus olhos a esperança morta
Que as mulheres de lá te apunhalaram.
“Não partas, não! Aqui todos te querem!
Minhas aves amigas te conhecem.
Quando à tardinha volves da colina
Sem receio da longa carabina
De lajedo em lajedo as corças descem!
“Teu cavalo nitrindo na savana
Lambe as úmidas gramas em meus dedos,
Quando a fanfarra tocas na montanha,
A matilha dos ecos te acompanha
Ladrando pela ponta dos penedos.
“Onde vais, belo moço? Se partires
Quem será teu amigo, irmão e pajem?
E quando a negra insônia te devora,
Quem, na guitarra que suspira e chora,
Há de cantar-te seu amor selvagem?
“A choça do desterro é nua e frial
O caminho do exílio é só de abrolhosl
Que família melhor que meus desvelos?…
Que tenda mais sutil que meus cabelos
Estrelados no pranto de teus olhos?…
“Estranho moço! Eu vejo em tua fronte
Esta amargura atroz que não tem cura.
Acaso fulge ao sol de outros países,
Por entre as balças de cheirosos lises,
A esposa que tua alma assim procura?
“Talvez tenhas além servos e amantes,
Um palácio em lugar de uma choupana,
E aqui só tens uma guitarra e um beija,
E o fogo ardente de ideal desejo
Nos seios virgens da infeliz serrana!…”
No entanto Ele partiu!… Seu volto ao longe
Escondeu-se onde a vista não alcança…
… Mas não penseis que o triste forasteiro
Foi procurar nos lares do estrangeiro
O fantasma sequer de uma esperança!…

O laço de fita

Não sabes crianças? ‘Stou louco de amores…
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.
Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.
Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.
E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh’alma se embate, se irrita…
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!
Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes…
Mas tu… tens por asas
Um laço de fita.
Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios…
Beijava-te apenas…
Teu laço de fita.
Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N’alcova onde a vela ciosa… crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu… fico preso
No laço de fita.
Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova… formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c’roa…
Teu laço de fita.

O livro e a América

Talhado para as grandezas,
P’ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina…
“Tira a América de lá”.
Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um-traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão…
E os Andes putrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
“Tudo marcha!… O grande Deus!
As cataratas — p’ra terra,
As estrelas-para os céus
Lá, do pólo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar…
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos… co’os firmamentos!!!
E Deus responde — “Marchar!”
“Marchar!… Mas como?… Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteons?…
Marchar cota espada de Roma
— Leoa de raiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo…
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?…
“Marchar!… Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?…
Não!… Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir…
Lá brada César morrendo:
“No pugilato tremendo
“Quem sempre vence é o porvir!’
Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo…
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade voou!…
Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec’lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou…
O Genovês salta os mares…
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou…
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto —
As almas buscam beber…
Oh! Bendito o que semeia
Livros… livros à mão cheia…
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É germe-que faz a palma,
É chuva-que faz o mar.
Vós, que o templo das idéias
Largo — abris às multidões,
P’ra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!…
Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!…
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada “Luz!” o Novo Mundo
Num brado de Briaréu…
Luz! pois, no vale e na serra…
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu! …

O nadador

Ei-lo que ao rio arroja-se.
As vagas bipartiram-se;
Mas rijas contraíram-se
Por sobre o nadador…
Depois s’entreabre lúgubre
Um círculo simbólico…
É o riso diabólico
Do pego zombador!
Mas não! Do abismo — indômito
Surge-me um rosto pálido,
Como o Netuno esquálido,
Que amaina a crina ao mar;
Fita o batel longínquo
Na sombra do crepúsculo…
Rasga com férreo músculo
O rio par a par.
Vagas! Dalilas pérfidas!
Moças, que abris um túmulo,
Quando do amor no cúmulo
Fingis nos abraçar!
O nadador intrépido
Vos toca as tetas cérulas…
E após — zombando — as pérolas
Vos quebra do colar.
Vagas! Curvai-vos tímidas!
Abri fileiras pávidas
Às mãos possantes, ávidas
Do nadador audaz!…
Belo, de força olímpica
— Soltos cabelos úmidos —
Braços hercúleos, túmidos…
É o rei dos vendavais!
Mas ai! Lá ruge próxima
A correnteza hórrida,
Como da zona tórrida
A boicininga a urrar…
É lá que o rio indômito,
Como o corcel da Ucrânia,
Rincha a saltar de insânia,
Freme e se atira ao mar.
Tremeste? Não! Qu’importa-te
Da correnteza o estrídulo?
Se ao longe vês teu ídolo,
Ao longe irás também…
Salta à garupa úmida
Deste corcel titânico…
— Novo Mazeppa oceânico —
Além! além! além!…

O Navio Negreiro

I

‘Stamos em pleno mar… Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm… cansam
Como turba de infantes inquieta.
‘Stamos em pleno mar… Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro…
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro…
‘Stamos em pleno mar… Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes…
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?…
‘Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas…
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento…
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia…
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu …
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! …

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais … inda mais… não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí… Que quadro d’amarguras!
É canto funeral! … Que tétricas figuras! …
Que cena infame e vil… Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco… o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Qual um sonho dantesco as sombras voam!…
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!…

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa…
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!…
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus…
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe… bem longe vêm…
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma — lágrimas e fel…
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis…
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus …
… Adeus, ó choça do monte,
… Adeus, palmeiras da fonte!…
… Adeus, amores… adeus!…
Depois, o areal extenso…
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos… desertos só…
E a fome, o cansaço, a sede…
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!…
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje… o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar…
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar…
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder…
Hoje… cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute… Irrisão!…
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro… ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!…
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! …

VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! …
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! … Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

O Segredo

I

EU TENHO dentro d’alma o meu segredo
Guardado como a pérola do mar;
Oculto ao mundo como a flor silvestre
Lá no vale escondida a vicejar.
Eu guardo-o no meu peito… É meu tesouro,
Meu único tesouro desta vida.
— Sonho da fantasia — flor efêmera
Uma nuvem, talvez, no céu perdida …
Mas que importa? É uma crença de minha alma
— Gota de orvalho d’alva da existência
Última flor, que vive aos raios mornos
Do sol de amor na quadra da inocência.
Só, quando a terra dorme solitária
E ergue-se à meia-noite, branca, a lua,
E a brisa geme cantos de tristeza
Na rama — do pinheiro — que flutua;
E quando — o orvalho pende do arvoredo
Que se debruça p’ra beijar o rio,
E as estrelas no céu cintilam lânguidas
— Pérolas soltas de um colar sem fio;
Então eu vou sentar-me sobre a relva,
Eu vou sonhar meus sonhos ao relento,
E só conto o segredo de minh’alma
Das horas mortas ao tristonho vento.
II
Eu sei como este mundo ri d’escárnio,
Deste aéreo sonhar da fantasia.
Eu sei P’ra cada crença de noss’alma,
Ele tem uma frase de ironia…
Ah! deixai-me guardar o meu segredo:
Deste riso cruel eu tenho medo…
Meu segredo? É o canto de poesia
Que suspirou saudoso o gondoleiro,
Que vai morrer gemente sobre as praias.
— Da despedida pranto derradeiro —
Mais aéreo que as vozes da sereia
— Alta noite — sentada sobre a areia.
Meu segredo? É o soluço d’alma triste
Que conta sua dor à brisa errante.
É o pulsar tresloucado de meu peito
A repetir um nome delirante.
Tímido anelar de edêneo gozo,
Castelo que eu criei vertiginoso.
Criei-o numa noite não dormida,
Após vê-la entre todas — a rainha;
Criei-o nestas horas de delírio
Em que sentira em fogo a fronte minha
E o sangue galopava-me nas veias
E o cérebro doía-me de idéias …
E quem na vida não amara um dia?
E nunca despertara ao som de um beijo?
Quem nunca na vigília empalecera,
Ao seguir co’o pensar louco desejo?
Quem não sonhara ao colo voluptuoso
Da sultana !ouçã morrer de gozo?
Uma noite tentei fechar as pálpebras,
Debalde revolvi-me sobre o leito…
A alma adejava em fantasias d’ouro,
Arfava ardente o coração no peito.
A imagem que eu seguia? É meu segredo!
Seu nome? Não o digo … tenho medo.
Ai! Dói muito calar dentro em nossa alma
Este anelar fremente de desejos! …
Ai! Dói muito calar o róseo sonho
Que sonhamos: dormir entre mil beijos
Num seio que de amor todo estremece,
Quando o olhar de volúpias esmorece…
Dói muito… mas dói mais uma ironia,
Quando adeja o pensar no firmamento,
Dói muito… mas dói mais um desengano,
Quando se vive só de um sentimento,
Quando o peito cifrou sua esperança
Em beijar da mulher a negra trança.
Que ventura! Aos teus lânguidos olhares,
Beber — louco de amor — seiba de vida…
Sorver perfume em teus cabelos negros,
Sentir a alma de si mesmo esquecida…
E de gozo de amar louco, sedento,
Viver a eternidade num momento!
Que ventura! Sorver co’os lábios trêmulos
Em teus lábios — de amor — o nome santo…
Que ventura! Fitar-te os negros olhos
Desmaiados de amor e de quebranto…
E reclinada a fronte no teu seio,
Sentir lânguido arfar em doce enleio…
Mas que louco sonhar… Ó minha amante,
Que nunca nos meus braços desmaiaste,
Que nem sequer de amor uma palavra
Dos meus lábios em fogo inda escutaste,
Perdoa este sonhar vertiginoso.
Foi um sonho do peito deliroso.
E, se um dia, entre as cismas de tua alma,
Minha imagem passar um só momento,
Fita meus olhos, vê como eles falam
Do amor que eu te votei no esquecimento:
Recorda-te do moço que em segredo
Fez-te a fada gentil de um sonho ledo…
Recorda-te do pobre que em silêncio
De ti fez o seu anjo de poesia.
Que tresnoitou cismando em tuas graças,
Que por ti, só por ti, é que vivia.
Que tremia ao roçar de teu vestido,
E que por ti de amor era perdido…
Sagra ao menos uma hora em tua vida
Ao pobre que sagrou-te a vida inteira,
Que em teus olhos, febril e delirante,
Bebeu de amor a inspiração primeira,
Mas que de um desengano teve medo,
E guardou dentro d’alma o seu segredo!