Em Santana do Sul, cidadezinha do
interior, o mundo parecia ter parado ali. A base de sua economia provinha da
agricultura. De pouco comércio, fábricas de fundo de quintal, de pouco mais de
l.500 (um mil e quinhentos) habitantes – a maioria morando na zona rural – vida
pacata. Conhecida como a cidade dos aposentados (de salário mínimo). Na zona
urbana quase todo mundo era funcionário público. Da região do vale da boca de
fogo era a esquecida. Morava ali muita moça bonita e quase nenhum rapaz.
A única escola de ensino médio estava
condenada a fechar, devido a pouca frequência. Só havia alunas. Os alunos nessa
idade mudavam-se, iam embora em busca de trabalho e cursos técnicos em outras
cidades.
Com o passar dos anos essa situação
agravou-se, criou um problema social, emocional e familiar. Os velhos estavam
morrendo; a taxa de natalidade quase foi extinta – percentual quase zero. Era
um nascimento esporádico a cada cinco ou seis anos. O desespero das moças virgens,
das titias, era de dar dó, de se ficar embasbacado.
Santana do Sul estava virando um
deserto, uma cidade tipicamente fantasma, assombrada, esquecida num canto sem
importância, no meio do nada, do mapa do mundo. Viam-se velhos aposentados
papeando e ou jogando baralho nas praças públicas e nada mais.
A bela moça donzela já não
passeava... Não tinha lá fora um olhar que atraísse sua atenção, seu desejo,
tudo era muito quieto demais. O silêncio invadia o desespero de sua alma. Não havia
juventude, tudo era velho em demasia, não havia animação, nem vida, nem prazer.
Era a cidade dos esquecidos. A única
esperança era tornar-se maior de idade e fugir de casa. Coisa que uma ou outra
se atrevia pôr em prática no ápice da desilusão.
Certo dia, Edviges, moça pura, que
nunca desejou ser freira, recebeu um aviso em sonhos de sua amiga do peito,
Isabela Caputte, dizendo que estava muito doente, que ardia em febre, que ia
morrer. Diferente dela, Caputte sempre foi mais extrovertida, e tinha ideias
avançadas para o seu tempo. Edviges, aflita, como se ouvisse os clamores da
colega por telepatia, num pestanejar, sentindo algo estranho, um calafrio,
resolveu visitar a amiga pessoalmente.
Quando já estava no portão de sua
casa, dona Marcelina, sua mãe, conversava com dona Sofia Geara – senhora rígida
aos moldes dos tempos idos – muito conceituada. Dona Marcelina, vendo a filha
meio abatida, chamou-lhe a atenção, dizendo: - Onde vai a essa hora Edviges? Já
é muito tarde para moça de família sair. No meu tempo, a essa hora eu já estava
no último sono. Edviges respondeu à mãe: - Vou à casa de Isabela, mãe. Ela anda
doente, está ardendo em febre. Não se preocupe, nem espere por mim. Vou
passar a noite lá, mas, volto a tempo de ir para o colégio, tá?
Sua mãe advertiu-lhe, dizendo: -
Edviges, minha filha, chame seu pai para acompanhá-la. Está muito tarde para ir
só. Moça que anda na rua a esta hora sozinha, fica mal falada, cai na boca
maldita do povo. Dona Sofia Geara, ouvindo aquela conversa entre mãe e filha,
intrometeu-se, dizendo: - Sua mãe tem razão. É muito perigoso andar sozinha, já
é tarde. Pode encontrar um louco na rua ou um tarado... Deus me livre! A
gente nunca sabe o que há por detrás da cortina da noite, minha filha, cuidado!
Edviges, morrendo de tanto rir, disse:
- Dona Sofia, pelo amor de Deus! Desse jeito a senhora ainda me mata de tanto
rir. Nesta cidade nunca acontece nada, parece cidade dos mortos vivos... Nunca
ouvi dizer que alguém foi atacado por aqui.
Dona Marcelina, rindo junto com dona
Sofia, disse à filha: - Vá com Deus, minha filha! Não se esqueça que amanhã
você tem prova. Volte bem cedinho, a mamãe vai lhe preparar aquele café
colonial.
Edviges, partiu, e quando estava a
cinquenta metros do cemitério, ouviu um elogio sair de uma voz melodiosa,
dizendo: - Das donzelas és a mais bela... "Todo gosto é gostoso, se eu
gosto, eu desejo, mas, se o desejo, não vejo, sei que é pecado".
Ela ficou enlouquecida e enfeitiçada.
Nunca havia sido paquerada, sentiu-se “poderosa”, e correu o olhar para
descobrir quem era o dono daquela voz que parecia tão jovem. Continuou a
caminhar, agora, a passos lentos, faceira, quando, na esquina, através da
penumbra da luz da lua, deparou-se com um belo rapaz de cabelos louros
encaracolados. Foi encanto de moça donzela à primeira vista, suspirou,
profundamente, não acreditando no que via, e quase desmaiou. Sussurrou,
maravilhadamente e disse: -Quem é você? Nunca lhe vi por aqui. É parente de
quem? O rapaz nada respondeu, hipnotizando-a, e, dominando-a, beijou-lhe a
boca. Foi o primeiro beijo de Edviges. Ela ficou estonteante, esvoaçou pelas
nuvens. Ele a levou mais adiante, e, no meio do mundo, no ninho da vida,
deitou-a, amou-a, voluptuosamente, como um verdadeiro amante.
Às dez horas da manhã,
assustada, com o sol em seu rosto, despertou de seu sono profundo, viu-se nua,
e seu subconsciente lhe confidenciou: “Foi sonho, devaneio ou foi
real?”. Meu Deus! O que me aconteceu?
De repente, ao se vestir,
sentiu algo estranho. Seu corpo estava leve como uma pluma, algo estava
diferente, não sabia discernir o que era. Sentiu um perfume exalar à sua volta.
O aroma estava impregnado no seu corpo. Confusa, voltou à sua casa, e lá
chegando, ficou surpresa, deu de cara com muita gente, e sua mãe, chorando e
desalentada, disse-lhe: - Minha filha, pelo amor de Deus! Onde você estava, até
agora? Quase morri de tanta preocupação. Todo mundo estava à sua procura.
Seu pai está de cama por sua causa. Onde você dormiu? Que cheiro é esse?
Edviges, nada respondeu, como se
estivesse em transe. Foi para o quarto e enquanto subia os degraus, dona Célia,
a fofoqueira, logo observou que a ponta do seu vestido estava manchada de sangue,
e foi logo dizendo ao pé do ouvido de outra linguaruda: - Vê, Efigênia, o
vestido dela está melado de sangue. Tenho certeza como tem Deus no céu, que
andou de safadeza por aí com algum velho.
Efigênia, sem papas na língua, foi
logo soltando o seu veneno: - Que velho sem-vergonha deflorou a “bichinha”,
inocente, caipira? Essas moças de hoje em dia são tão bobinhas, caem na
conversa de qualquer um, não é mulher? Será que não foi o seu velho? Andam
dizendo por aí que você “não dá mais no coro”, é verdade? Ainda dizem, que ele
está soltando fogo pelas “ventas”, tá cheio de energia, sentindo-se um garotão
de quarenta. Será que foi seu velho, comadre?!
Dona Célia, pega de surpresa, pois
achava que ninguém sabia de sua vida íntima, dos seus segredos, disparou,
dizendo: - Se ele fez uma coisa dessas comigo, mato esse desgraçado, mas,
primeiro, capo o infeliz. Depois eu o amarro de cabeça pra baixo, e fico
assistindo sua agonia até morrer. Ele sabe que sou assim. Não admito
traição. Já tenho mais de setenta, e ele também. Não “brincamos” dessas
coisas há muito tempo. Ah, se ele fez isso!
Dona Célia, deu uma pausa, pensou e
disse: - Pensando bem, creio que você está enganada, pois fiquei sabendo que o
seu Bartô não dormiu em casa essa noite passada, comadre, onde ele estava?
Comadre Efigênia, meio sem graça,
coçou a longa cabeleira – verdadeiro “fuá”– e disse: - Credo, mulher!... Não
fale uma coisa dessas do meu santo, não! Ele foi só jogar cartas com os outros.
O vício desses nossos homens é jogar a porcaria do “truco”. Passam horas,
noites adentro no baralho, e você sabe disso. Não sabe?
Dona Célia, categoricamente, disse: -
É, comadre, "pimenta nos olhos dos outros é refresco!". Santo, nenhum
homem é. Em se tratando de “rabo de saia”– ainda mais, novinha - todo homem
quer; é sem-vergonha. Já viu falar o ditado que “bode velho baba por uma
cabritinha nova?”. Pois é, O meu, hoje, não é mais aquele garanhão da
mocidade. Traía-me com qualquer vagabunda. Era fissurado numa “mocinha”. Não
aguentava ver uma e, dizia que aquilo tinha cheiro de vida. Até que um dia eu
lhe dei uma surra daquelas, quase o matei, e lhe prometi, por todos os santos
do céu, que, se um dia me traísse de novo, não o perdoaria. Logo, comadre, é bom
averiguar essa história de baralho, Tô sentindo que aí tem coisa das
"brabas". Tem macaca nova no galho!!!
Dona Efigênia arregalou seus olhos
grandes e negros, amarelou, e disse balbuciando: - Ah, meu Deus! Será que foi
ele? Ela foi desfalecendo... E, dona Célia preocupada, começou a abanar sua
comadre, e dizia-lhe que era brincadeirinha, imaginação fértil, que era uma
lorota. Bobagem... A amiga, aos poucos, foi se restabelecendo e zarpou.
A mãe de Edviges, que num cantinho
imperceptível ouvira aqueles mexericos, dizia a si mesma: Isso não pode ter
acontecido com a minha filha... Se algum velho safado fez isso, eu mato.
Quando dona Marcelina foi ter com a
filha, a porta do quarto estava fechada, só se podia ouvir o barulho do
chuveiro ligado e o choro de Edviges. Sua mãe implorou para que ela abrisse a
porta, mas tudo que conseguiu ouvir da filha foi que estava cansada e lhe
deixasse em paz.
No outro dia Edviges desceu cedinho
para tomar o café e ir para o colégio. A mãe, ao vê-la, foi logo falando: -
Minha filha, onde dormiu à noite passada? Responde, menina! Eu estou falando
com você?!!!
Edviges, nada respondeu, permaneceu
estranha, como se nada tivesse acontecido. Acendeu um cigarro do pai que estava
sobre a mesa, causando mais estranheza na mãe, pois ela não fumava. Vendo a
filha se engasgar, pois não sabia tragar, nervosa, falou enfurecida: - Agora
fuma também?! O que está acontecendo com você? Onde passou a noite?
Naquele momento, como se
tivesse sido teletransportada, simplesmente, apagou o cigarro e, calma,
respondeu: - Nada mamãe. Se a senhora quer saber sobre o que aconteceu, eu não
sei lhe explicar. Eu só me lembro que estava indo para a casa de Isabela,
quando me deparei com uma coisa. Ele avançou em mim e eu caí, devo ter batido
com a cabeça numa pedra, e não me lembro de nada... A propósito, papai está
melhor?
Balançando a cabeça, negativamente,
desconfiada daquela conversa, resolveu fingir que acreditava na filha, era o
melhor a fazer naquela hora, e disse: - Sim, minha filha, seu pai está bem
melhor, agora, que você voltou sã e salva. Acho bom você se apressar com o café
e ir para a escola, senão vai chegar atrasada. Falei com a professora e ela vai
lhe dar uma nova prova. Aliás, não quero que você saia mais à noite sozinha,
mais uma dessa eu e o seu pai não aguentaremos.
Edviges, sem graça, respondeu à mãe:
- Eu sei, mamãe, não se preocupe, isso não vai mais se repetir. O que Edviges
não sabia, era que a cidade inteira estava comentando, maldosamente, sobre a
sua honra. Houve muito tititi sobre aquele episódio. Ela perdeu muitas
amigas por isso.
Já havia passado dois meses e meio desde o
acontecido, quando Edviges começou a notar algo estranho em seu corpo. Seus
seios estavam maiores e doía, a menstruação atrasada, sentindo enjoos, e muito
sono. Quando a mãe descobriu a gravidez da filha resolveu inventar para a
sociedade, e até mesmo para o padre, que ela estava gestante de uma coisa
doutro mundo. Que, no dia do seu sumiço, um disco voador aterrissou e alguém se
aproveitou da pobrezinha.
Pouca gente acreditou nessa história.
As fofocas aumentaram ainda mais. Acirraram-se as bisbilhotices. Por onde a
garota passava era apontada como vadia, e que aquele filho era fruto de um
adultério, filho de seu Bartô – o marido de dona Efigênia. O que o levou a ter
a fama de “papa-anjo”, de pedófilo, “comedô”. O homem “ficou em papos de
aranha” na cidade. Perdera os velhos amigos. Andava triste, cabisbaixo, não era
mais o homem alegre de antes. O falatório se encarregou de transformar aquela
mentira numa verdade absoluta, e o homem foi condenado, sem ao menos ter a
chance de se defender.
A cidade ficou polvorosa. Os
comentários, nas rodinhas de aposentados, eram: “- Como Bartô, naquela idade,
havia conseguido tal proeza, embuchar aquela jovenzinha...”. Isso causou
inveja e deixou muitos velhos excitados. Alguns chegaram a se engraçar com as
moças mal faladas. Outros chegaram a oferecer todo o seu salário em troca de um
carinho mais fervoroso. Foi um “deus nos acuda! ”. As meninas ficaram
aturdidas. Mas, somente a Gaia – a fácil – cedeu, e depenou até o último
centavo de meia dúzia de velhinhos desesperados.
O que os cidadãos de Santana do Sul
não sabiam, era que algo de sobrenatural estava acontecendo e desejava as moças
daquele lugar. Já era mais de meia noite, quando Isabela Caputte foi despertada
por um longo beijo roubado que a enlouquecera de prazer, foi envolvida, tomada
e amada, nunca havia sentido nada igual antes. Aquele momento foi mágico, foi
lindo. Ao acordar não sabia se tinha sido real ou se havia sonhado mesmo.
O moço enfeitiçava todas as mulheres.
Ele se transformava no homem dos sonhos de cada uma, por isso, era
irresistível. Sabia como e quando devia aparecer e tocá-las, possuí-las. Nem
uma resistia aos seus encantos.
Isabela foi amada numa noite de
magia, prazeres e mistérios. Ao acordar descobriu que tinha sido deflorada pelo
homem de seus sonhos. Chorou, depois pensou: “provei o gosto gostoso do
pecado...”. Em seguida, sorriu, e pensou novamente: “Quem me fez mulher? Quem?
”.
Passado algum tempo, ela começou a
sentir os sintomas da gravidez. Foi então que resolveu contar tudo à sua amiga,
Mariana: - Pimentinha, tô frita!
Morrendo de curiosidade, disse: -
Conta logo!... Isabela Caputte, meio sem graça, contou sua história
advertindo: - Então ouça e não me interrompa. Há um mês estava no meu
quarto dormindo, quando fui despertada por um longo beijo roubado, fazendo-me
ficar sem forças. Aquele era o homem dos meus sonhos. Fascinou-me, seduziu-me,
e, então, fui tocada, não resisti e me entreguei de corpo, alma e mente. Foi
eletrizante. Foi um anjo que caiu em minha cama e tomou posse de mim.
Hoje, tenho certeza que estou esperando um filho dele, tenho os mesmos sintomas
que Edviges dizia sentir no início de sua gestação.
Mariana teve uma crise de risos e
disse à amiga: - Conta outra, Isabela... Tá bom! Quase acreditei nessa
sua história Shakespeariana. Mas, por favor, tenha a santa paciência! Um rapaz
lindo, aqui em Santana do Sul, e, ainda por cima, com tal poder de sedução?!
Você está inventando isso para não ficar falada também, não é? Foi o
mesmo velho tarado – seu Bartô – não foi? Agora, não adianta guardar segredo.
Todo mundo vai saber. Se o filho é dele, o velhinho é porreta mesmo! Até que
enfim, um homem está resolvendo os problemas das moças deste lugar nojento,
deste fim do mundo! Agora, você está arrependida, e vem com uma história bonita
dessa?
Isabela começou a chorar, e disse: -
Sabia que você não ia acreditar em mim. Tudo o que disse é verdade, mas, acho
que você está certa, em parte: este homem é um mistério. Será um anjo mesmo ou
um demônio?!!!
Mariana, vendo a preocupação da
amiga, percebeu que aquilo não era uma brincadeira; que falava sério. Resolveu
investigar melhor àquela história, e perguntou: - Como assim, um mistério?
Você perdeu a sua virgindade e engravidou de uma pessoa, e não sabe nem
quem é?
Isabela começou a explicar à amiga: -
Ele é uma espécie de zumbi, entende? Um cara lindo, mas, estranho. É o que me
leva a acreditar que ele não é daqui. Sua juventude e seu vigor físico é
deslumbrante. Seu rosto de anjo, e, principalmente, sua voz,
inconfundível... E àquele perfume... É o mais aromático que já senti em toda a
minha vida. Meu corpo ainda tem o cheiro dele. É um homem irresistível. Não tem
nada a ver com o coitado do seu Bartô. Aquele velhinho não faz mal nem para uma
mosca morta... Aquele Anjo Loiro é o homem do meu sonho.
Foi aí que Mariana ligou os fatos sobre
o que havia acontecido com Edviges, e foi dizendo: - Esse perfume do qual você
está me falando é o mesmo que a Edviges me disse ter sentido também. Eu bem que
desconfiei daquela história absurda de ter sido engravidada por um “ET”
conforme a mãe dela disse. Desconfiei também dos boatos de que teria sido
o pobre daquele velho. Por mais desesperada que esteja uma de nós, é
impossível sentir tesão por um velho gagá, babão daquele! Perdoa-me, amiga! Vou
desvendar esse mistério, custe o que custar!
Mariana deu com a boca no
mundo, salvou o casamento do seu Bartô – que voltou a conviver em paz com a sua
esposa e com os amigos. Mas ela deixou a cidade em pé de guerra,
assombrada, com a notícia de que um bonitão atacava as virgens, as ninfetas e
as mulheres bonitas e mal-amadas. Foi como se tivesse jogado uma bomba no
coração de cada família e quebrado certos tabus.
Depois que a notícia ganhou repercussão regional, teve moça que deixava
a janela do quarto aberto, na esperança de ser amada pelo famoso “bonitão”.
Os comentários eram tão fortes, que até algumas senhoras casadas –
mal-amadas, aderiram à ideia também.
A cada dia, sempre depois da meia
noite, ele fazia mais uma vítima. Nem mesmo a neta do delegado escapou de sua
sedução. Foi paixão ao primeiro toque de amor. Como um anjo, desposou-a
carinhosamente... Pedrina contava sem rodeios que tinha sido tocada por ele
como sonhava, como lia nas fotonovelas... Dizia: “Foi romântico, foi lindo, foi
eterno... Ele é o meu anjo loiro”. Engravidou também.
O falatório deu “corda” aos desejos
insaciáveis. Foi então que o delegado resolveu caçar O ANJO LOIRO – vigiando as
janelas. Fazia rondas cada vez mais modernas, utilizando-se de tecnologia
avançada que dispunha, ou a que conseguia através da Secretaria de Justiça do
seu Estado. Mas, nada conseguia detectá-lo. O homem tinha um pacto com as
forças do além. Nunca visitava a mesma amada duas vezes. O homem era um
procriador. A pergunta era: De quem? Por quê?
Havia se passado seis meses e a
polícia não o identificou. O tempo foi se passando, e “O Anjo Loiro” foi
conquistando simpatizantes. Já havia gente que desejava que ele possuísse a sua
filha para ter netos e ver a continuidade de sua geração. As janelas abertas de
famílias tradicionais denunciavam o sinal de aprovação. Muitos velhos assinaram
um documento exigindo que o delegado abandonasse o caso, que deixasse o homem
encantado em paz, que pudesse aparecer livremente e sem medo, mostrasse a sua
face.
Quando nasceu o primeiro bebê, lindo
e fofo, a polícia parou de caçar o Anjo Loiro... O povo pedia e rezava para que
a sua filha fosse a próxima escolhida. Aquela criança deu vida e esperança à
população daquele lugar esquecido do mundo. Aos poucos, foi nascendo uma após outra,
e o crescimento daquela cidade foi inevitável. O perfil das crianças era de
acordo com o sonho das possuídas.
Após alguns anos, os meninos loiros,
morenos, negros, japoneses e de todas as raças e sonhos, povoaram aquele lugar
que dantes estava condenado a desaparecer do mapa. Eram muitos, e a cidade
ganhou cara e vida nova. Seu número de habitantes passava de sete mil, e todos
eram parentes. Tornaram-se patriotas a tal ponto que nasciam e morriam
ali, sem ter vontade ao menos de conhecer outro lugar. Ali era o paraíso do
mundo. As mulheres responsáveis por essa geração eram idolatradas pelos seus
descendentes.
Muitas moças e mulheres de outras
localidades iam aos bailes e às festas na cidade dos meninos belos: Os filhos
do Anjo Loiro – atraídas pela beleza e a fama do vigor físico que tinham.
As moças que apareciam lá, logo ficavam apaixonadas. Namoravam, noivavam
e se casavam. Os filhos dessa geração eram criaturas abençoadas.
O Anjo Loiro, satisfeito com a sua
criação, resolveu confidenciar o seu segredo para o seu verdadeiro amor,
dizendo: - Sou um espírito de luz. Tudo o que fiz foi por amor a este lugar que
estava condenado a desaparecer. Sou a semente da vida... Lá de cima,
senti o seu fim. Foi-me dada à missão de povoá-lo. De acordo com o sonho de
cada mulher renascia a minha esperança... Por isso eu me transformei de acordo
com o homem que cada uma queria. Mas, eu me apaixonei por você. Pedi para o meu
superior, para que eu me reencarnasse e pudesse viver como um ser humano e me
casasse contigo. Somente você, Edviges, sabe disso. Ninguém nem desconfia que
sou o pai dessa enorme geração. Sou um homem feliz por ser o progenitor de
tantos sonhos e poder ter salvo esta cidade. Todavia estou mais feliz por ter
encontrado o meu amor. Fui um sonho real para muitas, porém, vivo a minha
realidade... Você é, foi e será o meu sonho vivo eternamente, te amo!
Edviges sorriu feliz da vida e pode
entender o seu destino finalmente... Deu-lhe um beijo fogoso e o amor tomou
conta daquele ambiente.
Fernandes, Osmar Soares, 1961,
Crisálida: a motivação da vida /
OSMAR SOARES FERNANDES,
Curitiba/PR, Editora Torre de Papel;
1º edição, 2003, pág. 79 - 87
(CDD (20ª ed./ B869.85)
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