Qual a diferença entre ateu e agnóstico?
Enquanto os ateus negam a existência de Deus, os agnósticos alegam a impossibilidade de provar a existência - ou não - de Deus. Embora existam relatos de povos primitivos que não acreditavam em nenhum deus, a expressão ateísmo (que significa, em grego, a negação de Deus) foi cunhada no final do século 16, época da Inquisição. "Pode-se afirmar que o ateísmo é subproduto da Inquisição. Quando a Igreja católica quis suprimir toda e qualquer dissidência, seus métodos inquisitoriais levaram à formação de um judaísmo clandestino e às primeiras declarações de secularismo e ateísmo na Europa", afirma Armando Araújo Silvestre, cientista da religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Já a expressão agnosticismo ("deus desconhecido", também em grego) é mais recente e atribuída a T. H. Huxley, cientista inglês do século 19.
"Ele elaborou essa expressão para descrever seu próprio estado mental, não para negar totalmente Deus, mas para expressar dúvida quanto à possibilidade de atingir o conhecimento e para protestar ignorância a respeito de um grande número de coisas", diz Silvestre.
Agnosticismo – O que é?
A última moda no que diz respeito a posturas religiosas é confessar-se agnóstico. Pessoas que na juventude foram fiéis cristãos, alguns judeus, outros espíritas convictos, quando passam para a vida adulta têm a “revelação” religiosa esclarecedora, tornando-os assim “agnósticos”. Tenho percebido que muitos blogs católicos são frequentados por esse tipo de personalidade curiosa, que não nega a existência de Deus, mas afirma a impossibilidade de conhecer-Lhe a natureza. No entanto, cabe indagar, o que seria agnosticismo? De que modo impacta na vida de fé dos homens e mulheres? Ele trata realmente de tema religioso ou tem um outro objeto como fim de sua reflexão?
O texto abaixo pretende iluminar alguns pontos importantes, ainda que não aborde o tema de modo exaustivo.
O uso da tecnologia realmente rompeu barreiras inimagináveis, principalmente no que diz respeito à comunicação e à luta pelas liberdades. Há um sem número de casos que se podem elencar onde as novas tecnologias têm resgatado a dignidade humana aviltada. No entanto, o enorme potencial educativo destas ferramentas acarreta equivalente poder deformativo. Se qualquer adolescente pesquisar pelo termo “agnóstico” na internet, provavelmente será levado a crer, pelos resultados que encontrará, que esta postura diz respeito a escolhas de tipo religioso. A se confiar nos relatos gerados nos sites de conteúdo compartilhado, um agnóstico está na vanguarda da questão religiosa, quase como eram os espíritas nas décadas de 1960 a 1980: com efeito, ser agnóstico é cool! A maioria dos jovens que adentra às universidades abandona o cristianismo de berço para adotar uma postura mais “atualizada”, mais “antenada”, enfim, mais adequada ao seu novo estado: o de intelectual togado. Além disso, dezenas de personalidades artísticas confessam essa nova fé, aumentando em muito a sensação de razoabilidade da tese. Neste ambiente artificial é que nascem os “novos agnósticos”, pensando que sua nova escolha diz respeito à Deus e/ou à Igreja. Não é bem assim, porém.
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O agnosticismo é uma reflexão de matriz filosófica e não teológica. Um agnóstico precisa saber que suas reflexões tratam muito mais do valor de verdade do conhecimento humano do que sobre a natureza de Deus.Etimologicamente, seu discurso se ocupa da teoria que nega a possibilidade do homem conhecer a verdade acerca de qualquer coisa. O vocábulo gnose(conhecimento), antecedido pelo prefixo de negação a (não) no idioma grego, significa que o agnóstico sustenta a impossibilidade de todo conhecimento verdadeiro. Importa destacar que o agnosticismo puro, sem adjetivos, refere-se simplesmente a esse elemento gnoseológico e a nada mais. Portanto, de modo quase ridículo, o agnóstico “puro e simples” é o que acha impossível conhecer qualquer coisa verdadeiramente. De outro modo, mas dessa vez mostrando a incoerência da premissa agnóstica, um adepto desta doutrina filosófica defende saber verdadeiramente que não pode saber nada de verdade (sic!). Contra toda intuição humana e senso comum, os agnósticos sabem que a verdade é inalcançável e pretendem ensinar isso aos que não sabem disso! Alguém que confessa o agnosticismo estrito (apressadamente) está dando testemunho muito mais de sua própria fraca formação humana e filosófica do que de “importantes descobertas religiosas”.
Parece-me bastante improvável que os calouros que chegam à universidade e depois da 5a. chopada mudam seu status nos sites de relacionamento de cristão para agnóstico percebam esses detalhes do assunto. Eles não estão apenas afirmando que creem em um Deus indeterminado e vago, uma força cósmica, distinto da Igreja e de seus dogmas “opressores”. Estão afirmando – mesmo que disso ainda não saibam – a impossibilidade de conhecer coisa alguma e ponto. Parece evidente que, sob este prisma, o agnosticismo é indefensável, pois suporia o conhecimento de que não é possível conhecer, o que colocaria em xeque a sua própria tese. A afirmação pretensamente verdadeira de que a verdade é inalcançável é contraditória e repugna a qualquer indivíduo que tenhadois neurônios funcionando.
Partindo do princípio que um humano medianamente inteligente e sincero entenderá a força do argumento contra o agnosticismo estrito, surge a questão: que agnosticismo ainda resiste? Para responder a essa indagação, os homens produziram certos refinamentos que escapam a essa abordagem mais bruta do agnosticismo. Alguns pensam que não é possível conhecer a verdade da divindade, mas afirmam que a natureza seria cognoscível. Estes, de modo geral, são empiristas e afirmam a existência da natureza a partir dos experimentos comprovados pelos sentidos humanos. Ora, como o divino não entra no laboratório, ele não pode existir. É o que se chamaagnosticismo ateísta. Não é um agnosticismo acerca de tudo, mas apenas do dado religioso. Outros acham que não é mesmo possível conhecer a Deus, mas entendem que seu acesso é possível por meio de outros caminhos, que não os racionais. São os agnosticistas teístas – a maioria dos “neo-agnósticos” encaixam-se nesta categoria. Eles negam que seja possível conhecer a Deus com a inteligência, mas admitem que sua existência é acessada pela fé.
Agnosticismo ateísta
Os agnósticos ateístas, antes de tudo, impõem a seus interlocutores uma premissa que eles mesmos não conseguem provar. Explico: para justificar a inexistência do transcendente, o ponto de partida de sua reflexão é a aceitação do critério experimental para toda verdade possível. Segundo os agnósticos desse tipo, toda a verdade deve ser encontrada no experimento, comprovada por dados sensíveis ou por fórmulas científicas. Como o sobrenatural não pode ser acessado diretamente pela natureza, o agnóstico ateísta pontifica a “morte de deus”, visto ser impossível o acesso sensível ao que é imaterial. O agnóstico ateísta fala no seu coração: “crédulos, não sabem que toda a verdade é sensível!”.
O erro deste tipo de argumento é a presunção. Os combatentes da causa ateístas tornam-se tão obcecados por seus objetivos que não têm a calma necessária para realizar qualquer reflexão crítica acerca do ponto de partida de seu raciocínio. O anseio por “desmascarar” o embuste teísta é tão grande que erros infantis se cometem, causando riso aos crentes mais atentos. Se a premissa deste pensamento tem alguma validade, os agnósticos ateístas precisam demonstrar – por meio de experiências e dados científicos – a verdade de sua premissa. Deve existir – a ser verdade que tudo que é verdade se diz a partir da sensibilidade – uma experiência sensível de onde derive a seguinte conclusão: toda a verdade se reduz ao experimento, ou à sensibilidade, ou a formulações matemáticas. Ora, isso até agora não foi demonstrado deste modo e o motivo é simples: a premissa aceita pelos agnósticos ateístas não é científica, mas filosófica. Por isso, não pode ter sua validade justificada pela ciência, mas pela filosofia. Acontece, porém, que o discurso filosófico não confirma a premissa, antes a critica, visto que nem toda verdade nasce da experiência. Por exemplo, que o todo é maior que as partes é evidente, e não há necessidade de experimentos para provar a verdade deste axioma. Que o indecomponível é indestrutível é evidente, sem a experiência seja chamada para atestar seu valor. Enfim, a própria premissa deste tipo de agnosticismo é um erro e deve ser evitada. Mas há ainda os agnósticos teístas.
Agnosticismo teísta
Para um grupo específico de agnósticos, o divino não tem sua existência e natureza provadas pela razão. No entanto, eles não negam a existência de entes distintos da natureza, sustentando que o acesso a estas naturezas se dá pela fé no divino. Um famoso agnóstico teísta é Imannuel Kant, para quem o discurso religioso estaria em um nível distinto do discurso científico. Segundo esse pensador, não era possível conhecer a natureza do divino, pois todo conhecimento precisa começar pela experiência. Ora, dizia ele, Deus, alma e mundo são objetos de um tipo que escapa aos sentidos e, portanto, não podem ser avaliados cientificamente. O acesso a estes objetos se dá pela fé (Kant era protestante – sola fidei) ou pela arte. Ambos, no entanto, distintos do discurso racional e científico. Ao dizer de Kant, como o conhecimento humano é medido pelo metro humano, não é possível dizer com certeza sobre a existência do divino – ao contrário da intuição ingênua dos crentes – reservando à fé a tarefa de religar o homem a Deus.
Os agnósticos teístas aceitam a premissa dos agnósticos ateístas (e dos cientificistas e empiristas) e sustentam que todo conhecimento humano se dá pelo acesso à experiência. Isso coloca-os em dificuldades para a justificação do conhecimento de Deus e, por isso, eles têm como única saída utilizar a fé como acesso ao divino. Como dito anteriormente neste post (e em outros textos como esse), a premissa cientificista não está em consonância com a experiência ordinária, pois a aceitação de seus princípios provoca a autodestruição e a invalidade de suas próprias asseverações. Além disso, a premissa fideísta suposta pelo agnóstico teístas admite que a criação – fruto das mãos de Deus – tem algo de imperfeito: a razão humana. Por isso, a fé vem corrigir e levar o homem até a compreensão de Deus. Mas o agnóstico teísta – portanto, um crente – não se questiona sobre a possibilidade de Deus ter criado algo imperfeito. A razão, de fato, não pode conhecer a Deus? Não seria natural que o Deus que dá a fé seja o mesmo que criou a razão e que, por princípio, não haja incompatibilidades entre ambas? O agnosticismo teísta não precisa partir da premissa cientificista, que aliás é insustentável. Basta entender que a capacidade intelectual humana pode, sim, conhecer algo – algo, não tudo – sobre Deus. Isso já é suficiente para desmontar toda a armadilha agnóstica.
Parece claro que o agnosticismo estrito é um embuste evidentíssimo. Mas também que em suas vertentes mais palatáveis o agnosticismo é um erro escancarado. Por um lado, por supor certo o que é absolutamente duvidoso, a saber: que toda verdade é sensível e, portanto, que o conhecimento do imaterial está vedado ao homem – agnosticismo ateísta. De outro, por admitir esta mesma premissa e tentar uma solução “ad hoc” para o problema, pondo na fé o único modo de chegar a Deus – agnosticismo teísta. Ora, será que o Deus Onipotente criaria algo imperfeito e que não levasse a si mesmo, de modo que só a fé religasse o homem ao divino?
A sanha agnosticista e materialista que grassa os blogs e sites católicos tem esta característica comum e que pretende incomodar os fiéis: exigem que se prove a existência de Deus, mas com os critérios deles. Isto é, o imaterial deve ser medido com a régua cientificista. Obviamente, uma armadilha. A aceitação desse desafio deixa-os com ar de superioridade, relegando os fiéis à “simplicidade” e “ignorância”. O jogo muda quando – ao invés de tentar o impossível – pedimos que estes mesmos críticos apliquem a si mesmos o que exigem dos crentes: que eles provem cientificamente que o princípio cientificista tem validade experimental. De modo geral eles abandonam o debate ou fingem que nada foi dito. Então, meu amigo neo-universitário, antes de abandonar a fé na qual foi educado – e da qual muitas vezes se beneficiou – em nome de um modismo intelectualóide, pense duas vezes. Talvez esteja caindo em mais uma armadilha.
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